As apostas desportivas exigem uma alteração legislativa, uma “rede de apoio mais eficaz” e um mecanismo de autoexclusão mais robusto, defendeu à Lusa Pedro Hubert, que lidera o Instituto de Apoio ao Jogador.
Com uma tese de doutoramento focada na caracterização e perfil do jogador patológico em Portugal, Hubert defende uma “regulação da parte da autoexclusão e que se obrigue o jogo ‘online’ a ter mais políticas de jogo responsável”, por parte das plataformas licenciadas.
“É importantíssimo que exista, e funciona de facto, e é importante que os ‘sites’ sejam regulados em Portugal. Muitas vezes, as pessoas pedem autoexclusão e não lhes é sugerida uma linha de apoio, equipas de tratamento, um folheto ou alguma informação para perceber. A eles e a familiares”, aponta.
Por outro lado, considera “importantíssimo alterar a legislação”, lembrando “os milhões que o Estado arrecada em impostos” a partir do imposto sobre este tipo de jogo (59,3 milhões de euros no segundo trimestre de 2023, segundo o relatório do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos, 14,4 milhões face ao período homólogo).
“Era altura de reencaminhar esses impostos para criar uma rede de apoio mais eficaz, com centros de tratamento interno, em ambulatório, para álcool e substâncias, e reforçar no problema de jogo, e ter mais linhas de apoio e com mais recursos humanos”, refere.
Outra das sugestões prende-se com “fazer investigação”, lembrando que a falta de estudos aturados, e recente, sobre a matéria dificulta o estabelecimento de caminhos de ação.
O psicólogo encabeça o Instituto de Apoio ao Jogador e tem notado uma “mudança completa de todo o paradigma do jogo” com o advento da internet e o jogo ‘online’, em franco crescimento em Portugal e no mundo.
“Houve, primeiro, a febre do poker, e há 10 ou 15 anos surgiram as apostas desportivas, que vieram galopando e aumentando significativamente o número de jogo e de pessoas a jogar”, lembra.
Com efeito, o relatório do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) relativo ao segundo trimestre de 2023, nota um aumento de 2,9% face aos três meses anteriores, fruto de 190,2 mil novos registos, contra o cancelamento de 81,2 mil, sendo que a maioria dos apostadores (81%) tem menos de 45 anos.
Estes iniciantes são quase tantos os 181,6 mil que se autoexcluíram, ao registarem-se num mecanismo que lhes impede o acesso às plataformas licenciadas em nome próprio e com os dados que facultam.
Pedro Hubert tem trabalhado na área nas últimas duas décadas e assistiu às mudanças do setor, incluindo o impacto da pandemia de covid-19, que fez as apostas desportivas “crescerem muito”.
“Apesar de não haver tantos eventos desportivos, as apostas desportivas cresceram muito porque as pessoas até sabem de futebol, ténis, basquetebol, e estando em casa, convencidas da ilusão de controlo e de conhecer as coisas, estando no conforto da casa, o dinheiro não ser físico…”, relata.
Para que o jogo ‘online’ e as apostas desportivas “possam vir a representar um problema”, afirma, há questões “estruturais e situacionais” que para isso contribuem, desde logo o aumento de apostadores e a “intersecção, verdadeiramente preocupante” com vários tipos de jogos, de sorte ou azar para as apostas e vice-versa, da Internet para os jogos físicos.
A publicidade, ou “todo este ‘marketing’” no geral, “tem imenso impacto”, garante.
“Não há a mais pequena dúvida. Fiz um estudo com pacientes que tinham tido recaídas, perguntando o que poderia incitar mais à recaída. O que mais mencionaram foi a publicidade, os prémios, os bónus, os convites a jogar”, elenca.
Noutro trabalho, pediu sugestões a pacientes de longa data no campo do jogo quanto a propostas de legislação.
“Foi unânime em que se deve alterar a questão da publicidade, para que não seja tão agressiva. É um convite, seja para quem já teve problemas seja para quem ainda está ali”, lamenta.
Manifestando-se pouco virado “para a proibição total”, considera que o reconhecimento do jogo como problema patológico abre caminho a que “se possa fazer mais” do que um código de boas práticas em publicidade, até porque começam a surgir países em que este tipo de mensagens, nas camisolas e outros espaços, já não é permitido.
“Sou a favor de uma revisão da publicidade para proteger os mais novos e os mais vulneráveis. Não é só quem tem problemas de jogo. É tudo uma normalização de um comportamento”, diz.
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