A antiga atleta Vanessa Fernandes assumiu hoje procurar as coisas simples da vida, na “ressaca” de uma carreira no triatlo, abrilhantada com a conquista da medalha olímpica de prata em Pequim2008, um título mundial e cinco europeus.
Após a antestreia da curta-metragem “72 horas antes”, sobre os três dias anteriores ao segundo lugar na prova olímpica, em que competiu já com o diagnóstico de depressão e terminou atrás da australiana Emma Snowsill
“Durante a entrevista, senti muita libertação. Foi um bocado terapêutico ver como foi a minha história, sem me massacrar com ela. Aceitei, sem sentir pena ou querer causar pena. A vida é para andar para a frente, mas até me reencontrar ainda bateu durante algum tempo”, admitiu a ex-atleta.
Em declarações aos jornalistas, 13 anos depois, Vanessa Fernandes assumiu querer “abrir uma porta” e “sensibilizar para a saúde mental”, reconhecendo que esta questão ficou no auge com as desistências da ginasta norte-americana Simone Biles nos Jogos Olímpicos Tóquio2020, no último verão.
Aos 36 anos, a antiga atleta natural de Perosinho, em Vila Nova de Gaia, protagoniza a película realizada por Miguel C. Saraiva e produzida através do projeto Betclic NXT, promovido pela empresa de apostas desportivas, aproveitando para retribuir o apoio que sentiu durante a carreira.
“Sempre tive muitos apoiantes, Portugal sempre me apoiou, e também acho que devem saber onde estou, porque desapareci muito rapidamente”, admitiu.
Nesse sentido, Vanessa Fernandes sofreu com o fim da carreira, após ter sido suplente na maratona nos Jogos Rio2016, e tentado, no ano seguinte, o regresso ao triatlo.
“Estão a ver uma ressaca? É mais ou menos assim. Quando saí do desporto senti esse impacto. É o desvincular de uma identidade, quebrando tudo o que acreditei sobre mim durante a carreira, para entrar numa nova vida e uma nova linha de pensamento. A viver o mais simples possível”, admitiu.
Numa mudança que, segundo a própria, é radical e relaxante.
“Fui tão habituada a viver com estímulos, para ganhar, para conquistar prémios, dinheiro, fama e patrocínios. E agora tenho de saber viver nessa simplicidade e é um alívio muito grande. Preciso de pouco para me amar e é nessa simplicidade que me vou encontrando e me sinto bem. E tenho também tentado resgatar a minha parte feminina, que foi aniquilada durante muitos anos”, explicou.
Admitindo que gostaria de ser treinadora ou ter um papel na formação de jovens, Vanessa Fernandes assumiu ter “muitos sonhos, muitas coisas que gostava de construir”, deixando alguns conselhos a jovens atletas que possam estar a replicar o seu percurso: “Respeita sempre os teus limites e faz apenas o que estás preparada para fazer. E dizer não, quando tivesse de dizer não”.
“Não era a questão de desistir, acho que era de fazer as coisas de maneira diferente e de enfrentar o outro. Às vezes encaramos os treinadores como deuses, quem manda, a quem não se pode dizer que não. Se calhar, devia, quando estava a ser difícil, devia ter dito basta, tendo uma comunicação completamente diferente”, salientou.
Depois dos agora assumidos anos de ‘ouro’, com os cinco títulos europeus absolutos consecutivos, entre 2004 e 2008, o recorde de 21 vitórias em taças do mundo e, sobretudo, com o cetro mundial em 2007 e a prata olímpica no ano seguinte, Vanessa Fernandes arriscou na maratona e, na estreia, em novembro de 2015, conseguiu os mínimos para o Rio2016.
“Quando as coisas são mais descontraídas, as coisas correm sempre melhor. Mas o meu início no desporto foi superespontâneo. As coisas só começaram a ser mais intensas a partir de 2006 e 2007, quando começou a ficar muito tenso. Porque foi um ‘boom’ muito grande”, realçou.
Questionada sobre se guardava algum rancor, a vice-campeã olímpica assumiu a quota-parte da culpa.
“Eu não falo de mágoas. Houve coisas que me marcaram. Houve atitudes... Por vezes, senti que houve um momento em que não me respeitaram, mas também foi porque eu permiti”, concluiu.
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