O português, que se dedica também a palestras motivacionais, revelou hoje à Lusa que tem recebido pedidos de ajuda de pessoas que “não estão a passar bem”, e acredita que o fazem porque encontram “muitas semelhanças” com os longos dias que passa em solitário no seu barco.
“Talvez por já fazer isto há tantos anos, sinto-me muito sereno e tranquilo. Não querendo desrespeitar a dor de tantas famílias, estou plenamente adaptado e pouco ou nada mudou na minha vida”, garantiu o velejador que conta mais de 100 mil milhas navegadas em solitário.
A quem o contacta com “crises de ansiedade e ataques de pânico”, Ricardo Diniz passa essencialmente “a mesma mensagem”, embora “de forma diferente” para cada pessoa.
“Só avança quem descansa. Temos de aproveitar esta fase para escrever aquele livro, pintar aquele quadro, arrumar aquela prateleira. Temos de nos conectar com nós próprios. Quando estivermos em paz na nossa companhia, dá-se um crescimento”, explicou o velejador.
Diniz referiu ainda que “estamos a viver tempos fascinantes para a sociologia” e que, apesar da angústia que muitas pessoas atravessam neste momento, “vamos ter saudades de muitas coisas”.
“Ninguém terá saudades do sofrimento que tantas famílias estão a passar ou dos números que nos chocam diariamente, mas tenho a certeza que sentiremos falta de passar mais tempo juntos e a comunicar de outra forma. Estamos rodeados de tanta confusão que nunca temos tempo, mas agora estamos obrigados a fazê-lo e isso é fascinante”, analisou o orador.
Além disso, Ricardo Diniz referiu que o desconforto sentido pelas pessoas, confinadas nas suas habitações, deve-se ao facto de o ser humano ser um “bicho de rotinas” a quem, de repente, “tiraram tudo isso”, reduzindo-o “ao mesmo nível que a natureza”.
Por isso, o velejador que em 2014 navegou sozinho entre Lisboa e Salvador da Baía, no Brasil, por ocasião do Mundial de futebol, acredita que, apesar de termos tendência para “esquecer depressa”, a COVID-19 vai deixar vestígios que “nem reparamos” no dia-a-dia das pessoas, tal como deixaram “os atentados de 11 de setembro” de 2001.
“Vamos ficar mais humildes, bater a ‘bola’ um bocadinho mais baixo. Algumas pessoas vão começar a dizer às suas entidades patronais que afinal o teletrabalho resulta, que podem fazer uns dias em casa e vamos ter de ser mais práticos e usar melhor a tecnologia. Espero que resulte numa maior união entre as pessoas e entre estas e a natureza”, previu.
Uma união que pratica “por opção” desde a adolescência e que o ajuda a “viver sempre o presente” e a planear os seus projetos e expedições a partir de “intuições e alinhamentos”.
Foi dessa forma que planeou uma circum-navegação de três anos, em homenagem a Fernão de Magalhães, e também que a cancelou pouco antes da partida, prevista para setembro de 2019, quando soube que o Navio-Escola Sagres iria cumprir essa mesma missão, embora com uma rota diferente.
“A ‘missão Magalhães’ pretendia honrar este herói esquecido e foi nesse momento [que soube da iniciativa da Marinha Portuguesa] que fiquei muito descansado. E, com o impacto ambiental que iria ter, questionei: Quem sou eu para ir também? Se a Sagres vai, estamos muito bem representados”, justificou.
A decisão acabou por revelar-se inesperadamente acertada, uma vez que nesta altura deveria estar “a chegar à região da Patagónia”, o que resultaria num “imbróglio logístico enorme”. O próprio Navio-Escola português iniciou o regresso a Portugal no sábado, por decisão do Ministério da Defesa, devido aos riscos associados à pandemia de COVID-19.
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