
O silêncio pesado que se fez sentir dentro do Tribunal Criminal de São João Novo, no Porto, contrastou com o burburinho que crescia nas imediações. Do lado de fora, a multidão agitava tachos, cantava palavras de ordem e gritava por justiça. Lá dentro, a Justiça fazia-se ouvir — com peso, surpresa e polémica.
A leitura do acórdão da Operação Pretoriano trouxe consigo uma das decisões mais marcantes dos últimos anos no universo futebolístico português. O tribunal deu como provado que existiu um plano concertado para intimidar os sócios do FC Porto na Assembleia Geral de 13 de novembro de 2023, com o objetivo de condicionar a votação de uma proposta de alteração estatutária do interesse da anterior direção liderada por Jorge Nuno Pinto da Costa.
O mais visado no processo, Fernando Madureira, antigo líder dos Super Dragões, foi condenado a três anos e nove meses de prisão efetiva e proibido de entrar em recintos desportivos durante dois anos. A sua mulher, Sandra Madureira, recebeu uma pena de dois anos e oito meses, suspensa, com proibição de acesso a estádios por seis meses.
“Trabalhamos com o que temos. Mas esperávamos mais.”
À saída, visivelmente surpreendida, a advogada Cristiana Carvalho, que defendeu Fernando Saul, criticou a pena aplicada a Madureira: “Surpreendeu-me a não suspensão da pena de Fernando Madureira. Acho que não faz grande sentido, até porque houve arguidos com penas mais altas e que foram suspensas. Não consigo compreender. Mas o que me interessa é o meu cliente.”
A defensora falava com a serenidade de quem viu o seu trabalho recompensado: Fernando Saul, antigo oficial de ligação aos adeptos do FC Porto, foi absolvido de todos os crimes.
“Estou muito feliz. Acabou esta etapa. Recurso? Espero que não, é tão óbvia a falta de prova em relação a ele… É a chamada chapada de luva branca para quem tanto apregoou que Fernando Saul era o mentor de tudo isto”, atirou ainda.
“Estive metido num circo que não existiu.”
Também Fernando Saul não escondeu a emoção e o alívio. De voz trémula, falou aos jornalistas à saída do tribunal: “Tenho filhos, sou um ser humano, e foi devassada a minha vida toda durante dois anos. Sempre disse, desde o primeiro dia, que não tinha nada a ver com isto. Acreditei sempre na Justiça.”
“É um alívio sair disto. Estive metido num circo que não existiu. Poderá haver recurso do Ministério Público? Não receio nada. Sabem porquê? Porque sou inocente. A imagem sai beliscada, claro. Há órgãos de comunicação social sérios e outros que não são, julgando e difamando as pessoas”, disse ainda.
“Liberdade para o Macaco!”
Do outro lado da corrente policial, o ambiente era outro. De emoção carregada, os apoiantes de Fernando Madureira, familiares, amigos e elementos ligados à claque, aguardavam a saída do ex-líder dos Super Dragões com cânticos e tachos. À passagem de Sandra Madureira, o silêncio deu lugar a aplausos e abraços emocionados. Quando Fernando Madureira saiu, os cânticos dos Super Dragões ecoaram em uníssono: “Macaco, Macaco, Macaco!”
Entre os apoiantes, Marta Rocha, 26 anos, chorava de indignação: “É uma injustiça. Ele só queria defender o clube. Nunca devia estar preso. Isto é perseguição.”
Já Carlos Dias, 44 anos, portuense e sócio do FC Porto, via as coisas de forma diferente: “Foi feita justiça. O que aconteceu naquela Assembleia foi vergonhoso. Isto não é contra o FC Porto, é a favor da democracia. Ninguém está acima da lei.”
Uma sala, duas narrativas
Além de Madureira e Sandra, foram ainda condenados outros arguidos, mas com penas suspensas: Vítor Catão (3 anos e meio), Hugo Polaco (2 anos e 9 meses), Vítor Aleixo (pai) (2 anos e 10 meses), Vítor Aleixo (filho) (3 anos e 3 meses), Carlos Jamaica (2 anos e 10 meses), Hugo Loureiro (4 anos e 1 mês), José Pereira (2 anos e 10 meses). José Dias foi, tal como Fernando Saul, absolvido.
A sentença deixou no ar um sentimento de divisão: para uns, finalmente se fez Justiça; para outros, a Justiça falhou estrondosamente.
A Operação Pretoriano chega ao fim no tribunal, mas continua viva nas ruas, nas redes sociais e nas emoções dos que se sentiram — de um lado ou do outro — profundamente tocados por um caso que ultrapassou em muito os limites do futebol.
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