Steve Stacey é um nome que poderá dizer pouco aos nossos leitores, mas com uma história digna de um filme. Ou de uma série. É  a história do primeiro descendente de afro-americanos a jogar futebol profissional em terras de Sua Majestade, em fevereiro de 1966, quando se estreou pelo Wrexham, do País de Gales. Viria mais tarde a representar o Ipswich Town, Charlton Athletic e Exeter City, onde foi primeiro negro a jogar por esses emblemas.

A sua história foi contada pela BBC.

A mãe Evelyn, do País de Gales, conheceu, o pai Clarence Lee Sims, num pub em Bristol. Clarence Lee Sims foi um dos 240 mil afro-americanos entre os três milhões de soldados dos EUA que desembarcaram em Inglaterra, na Segunda Guerra Mundial. Da relação nasceu em 1944, Stephen Darrow Stacey, um dos mais de dois mil 'bebés castanhos', nome dado pela imprensa local na altura aos filhos de mulheres britânicas com soldados afro-americanos.

Como o casamento entre brancos e negros era proibido, Clarence foi forçado a regressar aos EUA após o fim da guerra após o 'não' dos seus superiores em dispensa-lo para ficar em Inglaterra. Evelyn teve de criar sozinha, o filho.

O racismo, bem presente na altura, não foi algo que tivesse atormentado tanto Steve Stacey. O facto de ser capitão de equipa, nos jogos de rua, talvez o tenha ajudado, como o mesmo explicou na sua autobiografia, 'The Colour of Football'.

Deixou o futebol de rua para jogar a sério quando assinou pelo Bristol City em 1961, aos 16 anos e, aos 21, chegou ao Wrexham, onde fez o seu primeiro jogo na equipa principal. Conta que sempre foi bem tratado pelos colegas de equipa, ao contrário do que acontecia com os adeptos e jogadores adversários. Mas os gritos e insultos vindos das bancadas e dos jogadores adversários nunca o perturbaram. Só queria jogar futebol.

Se nos pesados relvados e campos de terra batida da altura podia ignorar as ofensas, fora de campo a história era outra.

"Lembro-me que tínhamos uma janela enorme e a nossa filha Michelle brincava com os seus brinquedos. De repente elamsai de trás dos brinquedos, coberto de pó de talco e disse que talvez agora alguns dos seus amigos iriam brincar com ela, agora que ela era branca", recordou à BBC, Michele, mulher de Steve Stacey. Na altura, ficou revoltada.

Apesar disso, a família viva bem em Wrexham. Para Steve Stacey, o que mais o preocupava era sustentar a família. E o futebol ajudava-o nesse aspeto, mesmo que se sentisse só. Durante a carreira, só por duas vezes partilhou o balneário com um jogador negro.

Com o clube preso no 4.º escalão do futebol inglês, os jogadores foram saindo a conta-gotas. Stacey foi um deles. Era um lateral esquerdo destro, que fazia da rapidez a sua principal arma, assim como a capacidade de jogar em qualquer posição. Em 1968 o Ipswich Town contratou-o por 25 mil libras. Estreou-se em setembro diante do Liverpool no primeiro escalão do futebol inglês, mas durou meia hora: saiu lesionado, sem antes chamar a atenção de Bill Shankly.

Deixou Portman Road nos primeiros dias de Sir Bobby Robson, para ingressar no Charlton, por empréstimo. Voltou ao Bristol City e depois mudou-se para o Exeter. Mais tarde, emigraria para a Austrália para terminara a carreira de jogador e começar a de treinador. Por lá ficou a viver até hoje.

Uma vida na Austrália e o reencontro com o pai... que julgava estar morto

Foi na Austrália que a filha mais nova, Nat, juntamente com a irmã Michelle, começaram a questionar Steve Stacey sobre as suas origens, mais precisamente sobre o avó. Na cabeça de Stacey, o pai estava morto, embora nunca tenha tido dessa confirmação. As suas filhas então começaram a investigar e contrataram um detetive particular para encontrar o avó.

Quando o detetive encontrou Clarence Lee Sims, disse-lhe que o filho queria falar com ele desde Austrália. Respondeu que não, que o filho estava em Inglaterra. Mas sabia tudo sobre ele, menos a sua carreira de futebolista. Stacey partiu para o Mississipi, onde reencontrou o pai no condado de Kemper. Não tinha memórias dele, mas passou a construi-las. Visitou as cidades vizinhas e passou a saber mais sobre o racismo e segregação racial existente na altura nos EUA, principalmente nos estados do Sul.

Voltou à Austrália, mas mantém contacto com a sua família do lado do pai, nos EUA. Visitou o Wrexham em 2019 e quer voltar: "O problema é estar na bancada, ainda quero estar lá dentro [ do relvado], confidenciou.

A aquisição Wrexham, o clube mais antigo do País de Gales e o terceiro mais antigo do mundo, por parte dos atores Rob McElhenney e Ryan Reynolds, poderá levar a história de Stacey ao cinema. Resta saber quem fará o papel do antigo craque do Wrexham.