A entrevista poderá ser lida no diário desportivo Record e é, no mínimo, perturbador. Ricardo Nascimento deixou o comando técnico do Vitória de Sernache, clube do Conselho da Sertã, na semana em que iria defrontar o Rio Ave para a Taça de Portugal. O antigo médio de 47 anos bateu com a porta, farto das intromissões do presidente do clube no seu trabalho, e ainda do que considera serem comentários racistas e xenófobas de António Joaquim, líder do clube da Sertã.
Na entrevista ao jornal Record, Ricardo Nascimento recorda que já jogou em países como Coreia do Sul e França, com jogadores de todas as etnias mas que nunca passou por algo semelhante. O agora ex-treinador do Vitória de Sernache diz que os comentários do presidente do clube "estão completamente desajustados da realidade do futebol e da vida, sendo inaceitáveis na sociedade contemporânea".
"Não é possível um presidente julgar que pode dizer a um jovem jogador, de 19 anos, que por mais banhos que tomasse nunca iria ser branco, mas sempre preto...", recordou.
Num testemunho arrepiante, o técnico de 47 anos falou de todo o tipo de dificuldades que enfrentou no agora 9.º colocado da Série D do Campeonato de Portugal 2021/22, desde falta de material e condições para treinar, até as constantes intromissões do presidente.
"Para ele, nossa equipa é composta por "só pretos", que acusava de serem "pretos de merda" e queixando-se de que "nunca teve tantos pretos"", contou, dando o exemplo do luso-guineense Agostinho Cá, internacional português nas camadas jovens, formado no Sporting e com passagens pelo Barcelona e que o presidente acusava de ser malandro, que não corria. O jogador teve de tratar uma pubalgia.
Ricardo Nascimento conta ainda que "os jogadores africanos que estavam à experiência eram logo expulsos da casa onde estavam hospedados" e que o clube não se preocupava "minimamente em saber como é que eles iriam embora e para onde". Para ele, "António Joaquim é claramente racista, xenófobo".
O treinador de 47 anos contou que teve muitas dificuldades em formar o plantel já que é muito difícil convencer jogadores a jogarem em emblemas do interior do país. E mais difícil ainda quando os jogadores que tentou contratar já estavam a par dos comentários do presidente em relação a africanos e brasileiros.
Ricardo Nascimento, que como jogador atuou em clubes como Braga, Rio Ave, Desportivo das Aves ou Trofense, deixa o GD Vitória de Sernache porque não tem "mais força para ajudar seja quem for".
"Eu ouvi, ninguém me contou, frases como 'estou farto dos pretos', 'estou cheio de brasileiros', quando o racismo não faz sentido no futebol. São frases que magoam, ferem, abalam o grupo. E se calhar, também por causa disso a bola bate no poste e vai para fora em vez de entrar. É impossível ter sucesso no futebol quando a vida e a condição humana não são respeitadas", completou.
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