A presença de público em plena pandemia de covid-19 nos estádios do Europeu-2020 de futebol, adiado para o verão, poderá permitir à UEFA precaver 25% das habituais receitas geradas no evento, estima o especialista Daniel Sá.
“Falamos de uma fatia que, em condições normais, vale 25% das receitas de um Campeonato da Europa. É muito importante, daí entender esta posição da UEFA face aos tempos que correm”, partilhou à agência Lusa o especialista em marketing desportivo e diretor-executivo do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM).
Daniel Sá toma como referência a receita bruta de quase dois mil milhões de euros (ME) somada aquando do Euro2016, que Portugal conquistou e que totalizou um crescimento de 34% em relação à organização da edição de 2012, coorganizada por Polónia e Ucrânia.
“Cerca de metade é de transmissões televisivas [1,05 mil ME], outros 500 mil euros de contratos de patrocínio e licenciamento e mais outros 500 mil de bilhetes e hospitalidade. Isto foi num mundo totalmente normal, sendo que, de ano para ano, os valores tendem a aumentar”, lembrou, acerca de um evento que gerou uma receita líquida de 830 ME.
Quanto ao Euro2020, que teve hoje de improvisar duas trocas face ao lote original de 12 estádios e realocar alguns jogos, a deliberação sobre a presença de público é “sempre política”, apesar do “jogo de forças” exercido pelos reguladores da indústria do futebol.
“O que a UEFA pode voltar a fazer, e eu não estranhava, é que, num ápice, a Alemanha restringe os jogos previstos e esses mudam para um outro país com maior capacidade no respetivo estádio. Agora, obviamente não tem o poder de exigir a percentagem de presença de adeptos. Isso é uma decisão das autoridades de saúde locais”, observou.
Mesmo considerando o ritmo de vacinação e as medidas de desconfinamento em cada país, além da desaceleração do vírus em épocas mais amenas, Daniel Sá assume que a incerteza perdurará “até à última” sobre o torneio, previsto de 11 de junho a 11 de julho.
“Ainda por cima, é um Europeu completamente atípico. Está disperso por vários países e cidades, o que dificulta ainda mais a gestão deste processo. Sabemos que estamos em velocidades cruzadas na Europa: neste momento, há países a desconfinar e outros a confinar. Daqui a dois meses, não sabemos exatamente em que ponto estamos”, notou.
O diretor-executivo do IPAM dá como exemplo a indefinição em torno da realização dos Jogos Olímpicos Tóquio2020, aprazados de 23 de julho a 08 de agosto, admitindo que a UEFA “está num cenário mais feliz porque até já está a discutir se há ou não há público”.
“Basta olhar para Portugal: há dois meses éramos a tragédia da Europa, neste momento somos o caso de sucesso. Isto evolui sempre e de uma forma que, às vezes, não entendemos. No caso do Euro2020, vai haver pressão da UEFA, pressão política e pressão da saúde pública e andaremos até à última a ver sítios e lotações”, insistiu.
Entre estádios cheios, preenchidos pela metade ou com 20 a 30% da lotação total, a 16.ª edição do Campeonato da Europa poderá marcar um ponto de viragem nas assistências de partidas durante a pandemia, volvido mais de um ano repleto de bancadas vazias.
“Acho que está aqui o maior desafio para o setor do desporto. Há uma fatia de adeptos que têm uma ligação emocional tão forte às modalidades e, a partir do momento em que seja possível, irão ‘acampar’ nos pavilhões e estádios. Só que essa é uma percentagem limitada em qualquer desporto e todos os outros adeptos são mais moderados”, referiu.
A “falta de hábito” desde março de 2020 em adquirir bilhetes para eventos desportivos ao vivo, acompanhada por uma “questão de receio” de saúde pública, urge um “esforço tremendo” durante várias épocas para impor uma “estratégia de atração dos adeptos”.
“Vai ser preciso trabalhar muito em convencer a tirá-los do sofá. Na prática, face às limitações da pandemia, o desporto andou um ano a tentar convencer-nos para ficar no sofá, porque era a única alternativa que tínhamos para consumir desporto. Agora, o objetivo é tirar-nos de lá. Não vai ser muito fácil, honestamente”, reconheceu Daniel Sá.
O especialista dirige como “caminho muito claro” a perceção de que os adeptos “não são todos iguais”, até pela possibilidade de serem classificados em sete níveis diferentes de envolvimento, entre os que “consomem notícias a toda a hora” e os “mais desligados”.
“Deve haver uma estratégia segmentada em escada. Pode-se tentar convencer aquela pessoa que nunca vai ao estádio a ir lá a um ou dois jogos, para que viva essa experiência e tente ficar convencida de que vale a pena investir este dinheiro. Isto dá muito trabalho a fazer e precisa de muita reflexão e profissionalismo para ter resultados”, finalizou.
Comentários