Menos de um ano após o beijo não consentido de Rubiales a Jenni Hermoso que correu mundo, o futebol feminino espanhol parece ter voltado a sentir o gosto do passado. Esta quarta-feira, a selecionadora Montse Tomé divulgou a lista de convocadas para os próximos dois jogos de preparação, diante da Coreia do Sul e França, e surpreendeu com a ausência de algumas das jogadoras mais importantes da equipa.
No entanto, o problema só voltou a ser adensado porque há um longo historial de conflitos que envolvem a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) e as jogadoras.
Publicamente, os ânimos agitaram-se com o famoso grupo das 15 jogadoras que renunciaram à seleção nacional em protesto com o, até então, selecionador Jorge Vilda. No entanto, no documentário “#SeAcabó”, lançado pela Netflix, são relatados os bastidores das várias polémicas, com explicações reveladoras por parte de algumas jogadoras, nomeadamente as capitãs.
Irene Paredes, uma das figuras centrais do futebol feminino espanhol revelou que tentaram chamar a atenção de Luis Rubiales para a falta de evolução da equipa, mas o assunto não ficou resolvido entre as duas partes. Para surpresa das atletas, o tema foi tornado público com a divulgação de mensagens trocadas entre Irene e o presidente da Federação.
A partir desse momento, nada ficou como dantes. Ainda assim, a RFEF cedeu a algumas exigências das atletas e conseguiu que alguns nomes dessem um passo atrás e regressassem para fazer parte do Campeonato do Mundo 2023. Por uns meses, o ambiente apaziguou-se, principalmente com a boa campanha e consequente conquista da competição que coroava as espanholas como as campeãs do Mundo.
Eis que, num dos momentos mais importantes da história do futebol feminino, acontece o beijo não consentido de Luis Rubiales a Jenni Hermoso. A história toda a gente já conhece e marcou o princípio da queda da estrutura da Real Federação Espanhola de Futebol, que mais tarde se viria a demonstrar insuficiente.
O assunto fez correr muita tinta nas páginas dos jornais, foi tema de debate em vários programas de televisão e rádio, andou nas bocas do mundo na internet, e teve um novo capítulo com a 'forçada' demissão de Luis Rubiales e da sua equipa. Sobre o caso do beijo, Jenni Hermoso não cedeu às chantagens da federação, tal como a própria conta no documentário, e fez queixa no Ministério Público, que acusou o antigo dirigente de agressão sexual e coação.
Jorge Vilda foi outro nome a cair, de braço dado com o antigo presidente. Estava feito o cenário ideal para uma mudança na RFEF, tal como se esperava que acontecesse. Porém, o espanto de muitos fez-se ouvir depois do anúncio da nova selecionadora espanhola: Montse Tomé. A treinadora era adjunta de Vilda e um dos nomes de confiança de Rubiales, causando estranheza devido à falta de corte com o passado do organismo. No fundo, a aposta estava na continuidade.
Todavia, eram novos tempos e as jogadoras estavam esperançosas de que um novo caminho se pudesse iniciar. Por essa razão, quase todas as jogadoras que escolheram estar de fora do Mundial decidiram regressar. Só houve uma que nunca regressou e não voltou atrás com a sua decisão: Mapi Léon.
A central do Barcelona é, até aos dias de hoje, a única jogadora irredutível com a decisão inicial. Fez parte do grupo “Las 15”, abdicou da ida ao Campeonato do Mundo e chegou a integrar a primeira lista de convocadas de Montse Tomé. Nessa sequência, esteve na famosa “Cumbre de Oliva”, reunião de sete horas entre as jogadoras e a Real Federação Espanhola de Futebol, e decidiu abandonar o barco de vez, anunciando a sua indisponibilidade para a seleção nacional feminina de Espanha.
Desde então, o espírito do futebol feminino espanhol parecia sereno, mas nos últimos tempos começaram a existir algumas mudanças subtis e quase imperceptíveis.
Contudo, o verniz voltou a estalar com a convocatória desta terça-feira. Foi durante a manhã que Montse Tomé divulgou a convocatória para os próximos jogos particulares. A selecionadora fez uma autêntica revolução nas eleitas e chamou nomes menos habituais como Berta Pujadas ou Clàudia Pina, deixando de fora alguns dos nomes cruciais para a equipa. Misa Rodríguez, guardiã do Real Madrid e uma das testemunhas no 'caso Rubiales', tal como Jenni Hermoso e Irene Paredes ficaram de fora da lista. Montse Tomé pôs de lado Irene Paredes que não é só a capitã e terceira jogadora com mais internacionalizações da seleção, mas também uma das mais vocais nos conflitos com a RFEF.
A defesa de 33 anos é um dos nomes mais experientes e continua a ser uma peça-chave no Barcelona. Durante os Jogos Olímpicos foi bastante utilizada, mas não o suficiente para que fizesse parte da última lista de convocadas. Depois do anúncio e das declarações da selecionadora, as críticas voltaram e a polémica voltou a instalar-se no país vizinho.
A antiga capitã espanhola, Verónica Boquete tem sido uma das vozes mais ativas em defesa das jogadoras, principalmente depois de não ter sido convocada por Jorge Vilda para o Euro 2017, ao que tudo indica por movimentar opiniões menos positivas contra o selecionador no balneário. A atual jogadora da Fiorentina fez questão de demonstrar apoio à compatriota e manifestou-se nas redes sociais com um simples “déjà vu”.
Esta quarta-feira, foi a vez de Jenni Hermoso ter reagido na rede social Instagram, após ser uma das ausentes na lista das escolhidas, e deixou uma mensagem enigmática: “Não vendas a tua alma ao diabo”.
A selecionadora pouco ou nada disse sobre as suas decisões e chutou para canto todas as perguntas que a confrontavam com uma explicação concreta. Uma coisa é certa: Montse Tomé não tem escapado às críticas, que a têm acusado de afastar, aos poucos, as vozes ativas nas desavenças da seleção feminina com a Real Federação Espanhola de Futebol.
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