O historiador José Neves atribui os fenómenos de violência à importância desproporcionada do futebol em Portugal, que lhe vale a “cumplicidade dos poderes políticos” e lhe permite viver “uma inimputabilidade própria das realidades sem regulação”.
“Há uma monocultura desportiva em Portugal, em que o futebol tem o lugar maior. E tem-no também no espaço cultural e mediático, o que lhe confere uma inimputabilidade politica própria das realidades sem regulação, deixando-o entregue a si próprio”, observou José Neves à agência Lusa.
Para o professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, existe uma “cumplicidade com poderes políticos”, que agem com “brandura” relativamente ao futebol, “desde a criminalidade económica, até questões relacionadas com a violência”.
“Só em Portugal é que figuras como as dos presidentes dos três grandes clubes têm esta notoriedade. Mas há um preço que se paga quando um Presidente da República quer ser visto ao lado de uma seleção nacional ou um presidente de câmara ao lado da equipa campeã”, assinalou.
José Neves admitiu que se trata de uma rotura difícil, uma vez que “os principais partidos políticos não estão disponíveis para isso” e porque “há banhos de popularidade que são muito úteis, como a nomeação do aeroporto da Madeira com o nome de um jogador de futebol”.
O historiador considerou que existe um “protagonismo excessivo” das elites dirigentes de Benfica, FC Porto e Sporting, que “vivem num regime de concubinato com comentadores televisivos”, contribuindo para o que chamou de “dinâmica de conflituosidade impune”.
“Há responsabilidade dos dirigentes. Basta ver a forma imprudente e falhada como os presidentes do Sporting e do Benfica reagiram aos acontecimentos. Passado o momento de pesar, no dia seguinte, a discussão já estava ao nível da própria rixa. E isto tudo ao abrigo do estatuto de utilidade pública desportiva, o que é, no mínimo, bizarro”, criticou.
José Neves lembrou que os clubes precisam desta “sobrevalorização mediática” e, apesar de reconhecer que há razões particulares à cultura futebolística no fenómeno da violência, admitiu a existência de razões sociais que encontram no futebol um bode expiatório.
O historiador defendeu que em Portugal nunca resultaria a “higienização do jogo” feita em Inglaterra em finais do século passado, com o intuito de combater o hooliganismo, através do afastamento das classes populares, que teve um efeito de pacificação e aburguesamento do futebol.
“No caso português, o futebol de estádio continua a ser um espetáculo com alguma pluralidade social. A higienização é um mau programa porque é discriminatória e também não creio que existam condições de mercado em Portugal para a aplicar”, sustentou.
José Neves propõe, em alternativa, que as figuras tutelares da modalidade se submetam a algumas práticas de autocontrolo, até por considerar que a Federação Portuguesa de Futebol “não tem nenhuma capacidade de impor ou regular o que quer que seja”.
“Restará ao Estado estabelecer limites mínimos e quanto ao resto há que agir repressivamente. Ao Estado pede-se que seja enérgico quando acontecem factos graves e não foi isso que aconteceu no caso recente dos confrontos dos entre adeptos do Benfica e do Sporting”, lamentou.
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