O regresso do futebol pós COVID-19 só deverá acontecer com jogos sem público nas bancadas. A Alemanha foi o primeiro das grandes ligas a recomeçar, com as bancadas dos seus modernos estádios despidas de adeptos. Uma imagem desoladora na Bundesliga, uma das com maiores médias de espetadores do Mundo.
Portugal, um dos países europeus que já tem data marcada para o regresso do futebol profissional, dará o pontapé-de-saída no que resta da I Liga esta quarta-feira, com dois jogos, dos 90 que faltam disputar para fechar a prova. A Primeira Liga foi a única a receber 'luz verde' para o recomeço mas sob o alto escrutínio das autoridades de saúde e várias regras a serem cumpridas, mas sem adeptos.
Este futebol que agora regressa pouco tem a ver com aquele que se jogava ainda no início de março. Os jogadores não sentirão o calor dos adeptos, estes últimos não poderão ver os seus ídolos ao vivo, nem juntar-se com os amigos para festejar os golos das suas equipas. Perdem os adeptos mas perdem também os clubes, que deixam de faturar tanto nas bilheteiras como na venda de produtos oficiais, como camisolas, cachecóis e outros acessórios.
Primeira Liga: perdas serão maiores com jogos decisivos
Dos 18 clubes da Primeira Liga, os 'três grandes' são os que mais vão sentir o impacto dos jogos a porta fechada na média de adeptos. Benfica, FC Porto e Sporting podem ter "uma perda real mensal de 4,3 milhões de euros" na bilheteira, de acordo com as contas de Alfredo Silva, professor da Escola Superior de Desporto de Rio Maior Alfredo Silva, coordenador da licenciatura de Gestão das Organizações Desportivas e especialista de gestão desportiva.
Daniel Sá, outro especialista na área, tem outros números. Nas contes destes especialista em marketing desportivo e diretor executivo do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM), as perdas relativas com a bilheteira nos 10 jogos que restam da I Liga podem ser maiores, já que estamos na reta final da época, com jogos decisivos na luta pelo título.
Na época 2018/2019, mais de 3,5 milhões de espetadores estiveram nos estádios em jogos da Primeira, num total de 85,1 milhões de euros em bilheteira. Para Daniel Sá Assim, a perda pode chegar a "um terço das receitas de bilheteira" do total do ano, receitas essas que "que estão concentradas na fase final".
Jogar sem público nas bancadas vai influenciar a área "designada 'commercials'", que inclui alugueres, os museus e venda de produtos licenciados. As perdas, juntando aí também a publicidade, podem chegar aos nove milhões de euros por mês.
No caso dos 'três grandes' tomemos o caso do Benfica: o clube da Luz faturou 27,3 milhões de euros na época passada só em venda de bilhetes. Se tivermos em conta que o clube faz, em média, 25 jogos por época na Luz, "cada jogo à porta fechada tem um custo de cerca de um milhão de euros", precisou Domingos Soares de Oliveira, administrador financeiro da SAD do Benfica, em declarações à 'BTV'.
De acordo com um relatório da Liga de Clubes relativo a época 2017/18, cada uma das dez jornadas que ainda falta renderia, em média, 2,5 milhões de euros aos 18 clubes.
Bundesliga dá exemplo: sem público, não há vantagem em jogar em casa
Sem público nas bancadas, jogar em casa deixa de ser uma vantagem. Isso se viu, por exemplo, nas quatro primeiras rondas já disputadas, desde o regresso da Bundesliga: apenas oito vitórias caseiras em 36 jogos. Na jornada 26, que marcou a retoma do principal campeonato alemão, só o Borussia Dortmund venceu a jogar em casa. Registaram-se três vitórias caseiras na ronda 27, duas na 28.ª jornada e três na ronda 29.
Se comparamos com os outros resultados das 224 rondas anteriores na principal liga alemã, as equipas da casa venceram em 100 ocasiões. Passamos de uma percentagem de vitórias caseiras de 43,3 por cento para 25 por cento por cento com os jogos às porta fechada.
Portugal: com os cofres vazios e sem o colorido nas bancadas
Em Portugal, as perdas vão-se fazer sentir tanto nos 'grandes' que arrastam muitos adeptos por onde passam, principalmente o Benfica, mas também os clubes ditos pequenos, que deixam de fazer boas receitas de bilheteira quando recebem Benfica, FC Porto e Sporting. E tendo em conta que 'dragões' e 'águias' estão separadas por apenas um ponto, com liderança para os azuis-e-brancos, seria de esperar casa cheia em todos os jogos destes dois emblemas que lutam pelo título, quer em casa quer fora.
O Benfica, que transformou o Estádio da Luz numa fortaleza quase impenetrável, sentirá a falta dos mais de 52 mil adeptos que tinha nas bancadas em todos os seus jogos na Luz. Os campeões nacionais têm, de longe, as melhores casa, com uma média de 52.479 adeptos por jogo na Luz. O FC Porto, quase imbatível em casa na Primeira Liga, vem a seguir, com 35.625 de média no Dragão, cinco mil a mais que Sporting, emblema que leva uma média de 30.234 espetadores para Alvalade.
Ainda está longe mas difícil é imaginar o dérbi entre Benfica e Sporting, da última jornada da prova, numa Luz despida de adeptos, de luzes, de cores, da festa do futebol nas bancadas. O mesmo se pode dizer do FC Porto-Sporting, da 32.ª ronda da prova, no Dragão.
Mas nem só dos 'três grandes' vive o futebol português. E quando o assunto são adeptos, há que dar destaque ao Vitória Sport Clube, que tem uma das mais apaixonantes massas adeptas do país. Não é por acaso que os 'Conquistadores' aparecem no quarto lugar dos clubes melhores médias de adeptos em casa esta época na Primeira Liga, com uns impressionantes 16.910 de média no D. Afonso Henriques. O emblema vimaranense costuma também ter muitos adeptos nos seus jogos fora de casa.
No caso dos emblemas de menor dimensão, como já foi referido, as perdas tem impacto significativo nas contas dos mesmos já que, sem os grandes contratos de TV´s de Benfica, FC Porto e Sporting, o peso da bilheteira é maior. Nas jornadas finais, os clubes ditos pequenos costumam encher os seus estádios quando recebem os clubes que lutam pelo título, mesmo com preços de bilhetes acima dos normais.
Alvalade sem assobios e apupos para a direção e jogadores
Se do lado financeiro o Sporting pode reclamar das receitas que irá perder com os jogos à porta fechada, do lado desportivo a análise é difícil. A equipa tem estado 'separada' dos adeptos em muitos jogos esta época, situação que se explica pela divisão dos sócios, muitos deles contra a liderança de Frederico Varandas.
Os jogos em casa esta época foram marcados por várias manifestações de desagrado dos adeptos, muitos deles ligados às claques, contra a direção do clube.
As 15 derrotas na temporada futebolística 2019/20, (está igualado os piores registos de sempre, de 2000/01 e 2012/13), não ajudam pelo que, sem público, a equipa deixará de ouvir os assobios das bancadas que acabavam por deixar ainda mais nervosos os jogadores, em situações de desvantagem.
Rúben Amorim terá assim a paz necessária para impor as suas ideias em campo, embora um jogo sem adeptos seja uma derrota para o futebol: nenhum jogador ou treinador quer jogar sem público nas bancadas. A equipa não será 'empurrada' pelos para dar a volta a uma situação de desvantagem mas também não será vaiada se estiver num dia mau.
Médias de espectadores dos clubes da I Liga até à 24.ª jornada
1.º Benfica: 52.479 adeptos
2.º FC Porto: 35.625
3.º Sporting: 30.234
4.º Vitória Guimarães: 16.910
5.º Boavista: 12.088
6.º SC Braga: 10.587
7.º Marítimo: 6.068
8.º Gil Vicente: 5.487
9.º Vitória Setúbal: 4.630
10.º Famalicão: 4.149
11.º Belenenses SAD: 3.603
12.º Paços de Ferreira: 3.156
13.º Santa Clara: 3.150
14.º Portimonense: 3.155
15.º Rio Ave: 2.604
16.º Tondela: 2.403
17.º Moreirense: 2.229
18.º Desportivo Aves: 1.969
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