Nos últimos anos, a população mundial foi alertada para vários problemas causados pelas suas ações e que afetam negativamente o planeta em que todos habitamos. As emissões de gases de efeito de estufa, a massiva produção de lixo e o elevado consumo de água são alguns dos problemas que o lar de todos nós enfrenta e há uma indústria que contribui amplamente para os três: a moda.
Acompanhada um pouco por todo o mundo, a indústria da moda espelha facilmente o mundo consumista em que vivemos. Até há alguns anos, poucos eram os que se preocupavam com a origem das suas roupas: de onde vêm? como foram feitas? quem as fez? com que materiais? O fator determinante da compra era apenas um: o preço.
O aparecimento das fast fashion - produção em massa de roupa acessível - na década de 90 fez com que o consumo se tornasse uma autêntica moda, que se estende até aos dias de hoje. A Forbes estima que, em média, as peças de roupa compradas nas lojas fast fashion são usadas menos de cinco vezes. No entanto, essas peças geram 400% mais emissões de carbono que as roupas das slow flashion, que são usadas 50 vezes.
E o que é que o desporto tem a ver com isso? Nos últimos anos e também com o aparecimento da pandemia de COVID-19, foram muitos os portugueses (e não só) que começaram a dar mais atenção ao exercício físico e não há nada melhor para dar uma motivação ao treino que um novo outfit, certo? Ora aí esta. Todas as vertentes da indústria estão incluídas, até mesmo a da roupa de desporto.
Mas vamos por partes. Afinal a indústria da moda é assim tão prejudicial? Aproveito já para lhe dizer que sim.
O impacto da moda no ambiente
O impacto da moda no ambiente divide-se em vários fatores, sendo que os três principais são o elevado consumo de água, as emissões de gases de efeito de estufa e a massiva produção de lixo.
De acordo com a Sustain Your Style, uma organização sem fins lucrativos que promove a sustentabilidade na indústria têxtil, esta atividade consome 1,5 biliões de litros de água por ano.
A título de exemplo, para produzir um quilo de algodão, são necessários 20 mil litros de água. Estima-se que 2,6% de toda a água a nível global seja usada para esta produção. Enquanto isso, 750 milhões de pessoas não têm acesso a água potável.
Mas o problema não fica por aqui visto que tingir e finalizar as roupas que usamos despende também uma grande quantidade de água. Na verdade, são precisas cerca de 200 toneladas de água por cada tonelada de tecido tingido.
Além de consumir muita água, a indústria têxtil é também responsável por 20% da sua poluição. Segundo a Sustain Your Style, numa grande parte dos países em que é produzida roupa, os resíduos são despejados diretamente nos rios. A organização estima que 200 mil toneladas de tingidores sejam despejados em afluentes todos os anos.
A produção de lixo é outro dos grandes problemas levantados pela indústria têxtil. Estima-se que uma família ocidental se desfaça de 30 kg de roupa a cada ano, mas apenas 15% é reciclada ou doada. Os restantes 85% acabam em aterros ou em incineradoras. No entanto, as fibras sintéticas, como o poliéster e as fibras plásticas, não são biodegradáveis, o que significa que podem levar até 200 anos a decompor-se.
5,2% do lixo nos aterros é têxtil, uma questão massivamente relacionada com o facto de que, atualmente, uma peça de roupa tem uma 'vida' de apenas três anos.
Por fim, outro dos grandes problemas da indústria têxtil é a emissão de gases de efeito de estufa, sendo que a atividade representa 10% das emissões mundiais.
A energia utilizada para produzir, confecionar e transportar a roupa é um grande entrave à sustentabilidade porque, para começar, as fibras sintéticas, usadas em 72% das roupas, são feitas a partir de combustíveis fósseis, que consomem muita mais energia que as fibras naturais.
Recapitulando: a indústria têxtil gasta 1,5 biliões de litros de água todos os dias, representa 5,2% do lixo em aterros e contribui em 10% para a emissão de carbono para a atmosfera. Isto sem esquecer a poluição das microfibras, o uso de químicos, a degradação dos solos e a destruição das florestas.
Apresentado o problema, vamos agora focar-nos na solução.
O admirável mundo novo da sustentabilidade
Para contrariar os números acima referidos, é preciso contrariar a atmosfera de consumismo que tem afetado uma boa parte da população mundial nos últimos anos. Ou seja, uma das grandes soluções para contornar o impacto da indústria têxtil no ambiente é comprar menos, mesmo quando o assunto é roupa desportiva.
Adquirir menos produtos é a principal chave para ajudar o planeta neste campo. Se comprarmos menos roupa já estamos a ajudar o ambiente, reduzindo o elevado consumo de água, as emissões de gases de efeito de estufa e a massiva produção de lixo.
Outra das possibilidades é, em caso de compra, optar por artigos de melhor qualidade. O facto de existirem várias marcas com produtos de valor acessível fez com que as pessoas se esquecessem um pouco da qualidade.
Por exemplo, compramos um par de leggings para ir ao ginásio e, ao fim de algum uso e algumas lavagens, o produto perde forma e deixa de nos satisfazer. A seguir compramos um novo. No entanto, se apostarmos na qualidade, vamos usar o produto durante muito mais tempo, o que ajuda não só o ambiente, mas também a carteira, a longo prazo.
Tentar dar uma segunda vida às roupas é outra opção. Em vez de nos desfazermos automaticamente de uma peça, podemos tentar repará-la. Doá-la ou vendê-la é também uma boa ideia.
À medida que a população ganhou noção de alguns destes problemas, surgiram várias aplicações e sites online de venda de roupa em segunda mão. Alguns sites permitem até o aluguer de várias peças.
Mas se, mesmo assim, a compra continuar a ser a prioridade é preferível escolher marcas sustentáveis. Embora a oferta ainda seja limitada, quanto maior for a procura, maior será a oferta.
Nesta linha de pensamento, o SAPO Desporto falou com uma marca de roupa desportiva sustentável.
Breathe
A Breathe Sportswear é uma marca portuguesa de roupa desportiva sustentável, criada recentemente por um casal: Ana e Bernardo Gonçalves, de 27 anos.
Em entrevista ao SAPO Desporto, Bernardo explica-nos de onde surgiu a ideia desta nova marca.
"A Ana e eu somos casados há 3 anos e desde que vivemos juntos começámos a adotar algumas soluções mais ecológicas e sustentáveis nas tarefas do dia a dia (reutilização da água de aquecer o banho, redução das embalagens de plástico, produtos de limpeza DIY, entre outras)", começa por explicar.
"Até que um dia começámos à procura de soluções mais sustentáveis para vestuário de desporto para nós próprios usarmos e não encontrámos praticamente nenhuma opção a nível nacional. No estrangeiro encontramos alguma, mas queríamos mesmo uma solução mais local e daí surgiu a ideia de tentarmos criar algo para nós que se pudesse transformar num negócio a partir de uma falha que detetamos no mercado", acrescenta.
E assim foi. Apesar de nenhum dos dois ter experiência nesse mundo, Ana e Bernardo lançaram-se ao desconhecido com o ímpeto de ajudar o planeta.
"Nenhum de nós tem experiência em design nem em moda. O processo foi longo e complicado. Tivemos mais de um ano e meio a procurar as pessoas certas para nos ajudarem nas diferentes fases do processo de produção, fornecedores e parcerias. Mas com motivação e trabalho árduo conseguimos lançar a marca em agosto de 2020", revela.
A produção e os tecidos escolhidos são um dos aspetos mais importantes para Ana e Bernardo, mas foram também dos tópicos mais difíceis no processo.
"Os materiais são aquilo onde nos debruçámos principalmente na fase de pesquisa porque já existem algumas soluções consideradas sustentáveis, mas que, mesmo assim, não iam de encontro a tudo aquilo que procurávamos e exigíamos", diz Ana.
"Após muito estudo e pesquisa optámos pelo lyocell - que é feito através de resíduos de eucaliptos de outras indústrias - e o algodão BCI (Better Cotton Initiative) - que é uma certificação que garante vários aspetos importantes da produção (tais como a segurança dos trabalhadores, a redução de água no processo, cuidar da saúde do solo, promover os pagamentos justos e a saúde de todos os trabalhadores)", esclarece Ana.
"Todo o processo de escolha das malhas foi demorado. Precisámos de pedir várias amostras para conhecermos o material e depois ir estudá-lo tanto a nível de qualidade e de produção, como com o atelier de costura que nos aconselhava no sentido da possibilidade de usar esses materiais em certas peças ou não", adiciona Bernardo.
Outro dos aspetos importantes deste processo e mencionado anteriormente como um dos problemas para o ambiente é o tingimento dos produtos, que foi também uma preocupação para o casal português.
"O tingimento foi um dos temas mais importantes (e difíceis!) da nossa pesquisa pois pretendíamos um tingimento natural, sem químicos, e não havia muita opção a esse nível em Portugal", admite Ana.
Depois de muita pesquisa, a Breathe conseguiu "reunir todas estas condições e garantir tingimento de todas as peças feito à base de plantas e cogumelos! Tudo isto com a muita tecnologia e inovação agregada."
Ana e Bernardo pensaram em todos os aspetos na criação desta marca e um dos exemplos disso é o facto de não existir qualquer tipo de lixo na produção. "Não há lixo!! Tudo o que sobra é utilizado para criar outras peças, peças feitas através de resíduos de produção. Tentamos que tudo seja aproveitado e que seja o mais sustentável que conseguimos", explica Bernardo.
Os artigos da marca Breathe são "todos produzidos em Portugal e depois a confeção é toda feita em Lisboa, num atelier familiar onde nós conseguimos acompanhar semanalmente o processo."
"Por enquanto trabalhamos só nós os 2, obviamente que de vez em quando pedimos uma ajuda a amigos e familiares quando precisamos de conselhos ou quando estamos fora e precisamos de entregar encomendas, mas a full time até é só a Ana porque eu tenho um outro trabalho e por isso tenho o tempo mais limitado. Obviamente que trabalhamos com muitos fornecedores tanto a nível de design como na produção e com quem estamos diariamente", disse ainda o fundador da Breathe.
Apesar de terem uma marca num meio que ainda dá os primeiros passos, Ana e Bernardo consideram que a adesão dos portugueses tem sido muito satisfatória.
"Estamos a ter um excelente feedback desde o início! Temos recebido muitos elogios pela escolha pouco óbvia de materiais para esta área do desporto, pelo toque macio, leve e respirável dos tecidos e pela qualidade e durabilidade das peças! Procurámos para as primeiras peças um design minimalista e cores mais fora da caixa e penso que isso também diferenciou muito a Breathe como marca", admite a criadora da marca.
Mas, o projeto está apenas no início, como frisam os dois.
"Queremos crescer e por isso estamos a estudar o crescimento no próximo ano, tanto a nível de ter um espaço físico para os clientes poderem experimentar as peças como de internacionalizar a marca", revelam.
"Para além disso estamos a preparar vários lançamentos de peças que os nossos clientes nos têm dito que fazem falta no mercado. Gostamos sempre de ouvir quem nos segue e trabalhamos muito com base nisso. Já nos fizeram mudar o rumo daquilo que tínhamos planeado para a estação seguinte várias vezes. Mas para nós só assim faz sentido, afinal a Breathe foi criada exatamente para existirem opções que não existiam anteriormente".
Questionados sobre o grande sonho que têm para a marca, Ana e Bernardo não hesitam: "Gostávamos muito que a marca crescesse e se tornasse referência de sustentabilidade em roupa desportiva nacional e, quem sabe um dia, internacional."
O mote para o caminho da sustentabilidade está dado: comprar melhor e ajudar o ambiente nesta luta contra o impacto da indústria têxtil, mesmo quando o objetivo é mexer o corpo.
Comentários