A maioria das lesões neurológicas sofridas pelos atletas em contexto desportivo são benignas e transitórias, concluiu um trabalho de revisão de um grupo de investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).

“A prática desportiva pode estar associada a lesões que afetem as estruturas do sistema nervoso central ou periférico. Felizmente, a maioria das que encontrámos na nossa revisão são benignas e transitórias. Não há propriamente grandes razões para alarme. Apesar de tudo, também estão documentadas algumas lesões graves e permanentes”, contextualizou à agência Lusa Rui Araújo, médico neurologista e professor da FMUP.

Intitulado “Está em jogo: uma revisão das lesões neurológicas associadas ao desporto”, o artigo publicado na Revista de Ciências Neurológicas identificou 33 modalidades em 292 publicações científicas que relacionam a prática desportiva a ocorrências daquele foro.

“O estudo não visa analisar questões de incidência [cerca de 2,5% face à globalidade de lesões no desporto], mas permite estabelecer um guia de consulta rápida para os colegas da medicina desportiva, os neurologistas que tratam dos atletas e a própria comunidade, de modo que todos estejam conscientes destas possibilidades”, explicou um dos autores do artigo, a par das também médicas e investigadoras Mariana Pedrosa e Bárbara Martins.

As neuropatias periféricas, medulares e cranioencefálicas são as mais reportadas pela comunidade médico-científica, enquanto atletismo, beisebol, futebol, hóquei no gelo, natação ou voleibol emergem como modalidades predominantes no total de ocorrências.

“Excluímos algumas das doenças que aparecem mais na comunicação social, tais como a demência, a esclerose lateral amiotrófica ou outras neurodegenerativas. Fizemo-lo por terem uma perspetiva crónica, ao passo que a nossa análise está mais relacionada com enfermidades agudas do sistema nervoso”, observou Rui Araújo.

Entre diversas ocorrências, o artigo fala de uma condição denominada ‘yips’, que incide, sobretudo, nos praticantes de basebol, ginástica ou golfe, sendo detetada “quando há uma perda repentina e inexplicável da capacidade de executar certas habilidades”.

“Não se sabe qual é o mecanismo neurológico subjacente, mas tem a ver com uma afetação transitória da capacidade de mobilidade em tarefas muito específicas. Por exemplo, no golfe, quando o atleta vai dar uma pancada na bola, há ali um certo segundo, quase de desconcentração, em que perde o foco e já não bate com o jeito, velocidade e força que devia”, ilustrou.

Rui Araújo encontra paralelismos entre os ‘yips’ e os ‘twisties’, fenómeno psicológico de perda momentânea da noção espacial celebrizado por Simone Biles nos Jogos Olímpicos Tóquio2020, em 2021, quando a ginasta norte-americana prescindiu de diversas provas por razões de saúde mental.

“Os ‘twisties’ são um aspeto neurológico relacionado com aspetos emocionais e fatores de concentração, mas também tem a ver com a distonia, que passa pela contração anómala de determinados grupos musculares numa altura em que não era suposto”, agregou.

Convencido de que “há uma consciencialização muito grande” na comunidade desportiva sobre a variedade e extensão das ameaças ao sistema nervoso, o investigador acredita que pode ser intensificada a adoção de “medidas preventivas, protocolos de segurança e equipamentos protetores” para evitar ou diluir a repetição de traumas cranioencefálicos.

“As pessoas querem fazer as coisas em segurança e a prática desportiva traz benefícios muito grandes. Não é pela existência destas alterações que devem ficar desmotivadas. Pelo contrário. O nosso estudo vem dar um bocadinho mais de consciencialização sobre aquilo que está reportado e aconteceu a certos atletas em determinados contextos”, finalizou.