Felipe Nystrom é hoje uma figura incontornável do universo do ciclocrosse, não tanto pelos resultados alcançados, mas pela sua incrível história de superação.

O costa-riquenho pode ser um dos últimos da classificação em provas onde correm lendas da modalidade como Mathieu Van der Poel ou Wout Van Aert, mas é líder na popularidade junto dos adeptos, parando diversas vezes a meio de uma competição para tirar fotografias ou simplesmente falar com os fãs.

Infância e adolescência

Felipe Timoteo Nystrom Spencer nasceu na Costa-Rica em 31 de março de 1983, filho de mãe norte-americana e pai costa-riquenho. A mãe deslocara-se para aquele país no âmbito do seu trabalho nos 'Peace Corps', organização governamental norte-americana dedicada ao desenvolvimento internacional.

Este trabalho da sua mãe enquanto voluntária retirou-lhe muito tempo com o filho, que assim teve a companhia de muitas e diferentes pessoas durante a sua infância. Segundo o mesmo, tal situação deixou-o muito vulnerável, usando como exemplo as vezes em que se tentava esconder dentro de uma gaveta de um homem que o agredia frequentemente.

"Nos primeiros oito anos da minha vida, só vivi em pânico, em terror, como se cada vez que a porta se abrisse, eu não soubesse o que ia acontecer. Tinha uma sensação de completa impotência, que havia nada que eu pudesse fazer", afirma Nystrom.

À medida que foi crescendo acabou por transportar consigo esses traumas para a sua vida social. O jovem Felipe era envergonhado, isolava-se, sofrendo de 'bullying' e entrado num clima de constante conflito em casa. O único sítio onde se sentia bem era a praticar desporto, fosse futebol ou ginástica.

Felipe Nystrom e o avô
Felipe Nystrom e o avô Felipe Nystrom e o avô créditos: Felipe Nystrom

Álcool e drogas

Nos anos finais da sua adolescência, Felipe mostrava ter potencial para singrar no futebol profissional, contudo, uma lesão acabou por deitar por terra esse sonho. O costa-riquenho não tentou recuperar da lesão e acabou por desistir.

"Eu não fazia ideia para onde estava a ir. Lembro-me de pensar, 'Bem, eu fiz tudo o que pude, no futebol e no desporto. E agora já nem isso tenho'. Eu tenho estado bem mas mesmo assim nada de bom acontece, talvez devesse apenas ir para as festas como toda a gente", disse.

Aí, o costa-riquenho descobriu um espaço onde era aceite e popular, desenvolvendo um estilo de vida abastecido pelo álcool e as drogas, e onde teria conseguido exorcizar os fantasmas e traumas da sua infância e pré-adolescência.

Contudo, Felipe acabou por ser engolido pelo 'monstro' do vício, enveredando por um caminho auto-destrutivo. Todos os empregos que teve, fosse em 'call-centers' fosse a gerir um sistema de apostas 'online' de origem norte-americana, mormente de estados onde tais práticas eram consideradas ilegais, serviam para alimentar o vício.

"No começo, um grama de cocaína durava-me uma semana, talvez duas semanas. Depois só dava para uma semana, depois meia semana. Chegou a uma altura em que eu fazia pausas no trabalho para ir cheirar cocaína. O meu cérebro dizia 'Eu não quero consumir drogas hoje', mas o meu corpo estava em piloto automático enquanto eu saía do meu apartamento para ligar para o meu 'dealer'", recorda Nystrom.

A tentativa de suicídio

A espiral descendente levou Felipe Nystrom a um estado mental altamente instável. Após perder o emprego, o costa-riquenho viveu nas ruas durante mais de um ano, a dormir em becos e desesperadamente à procura de comida. Depois de um ano nessa condição, esmagado pela culpa de ter abandonado o seu filho aquando do seu nascimento, Nystrom tomou a decisão de por fim à vida.

"Eu sabia que não conseguia parar. Não funcionava. E então finalmente decidi: não posso mais fazer isso", confessou.

No dia 27 de setembro de 2012, Felipe Nystrom pôs o seu plano em prática.

"Assim que amanheceu, fui pedir dinheiro. Consegui juntar o suficiente para comprar o que pensei que seriam drogas suficientes para morrer. Não me tinha esforçado tanto para nada em anos. Não havia qualquer hipótese de estar vivo no dia seguinte. Fui a uma loja de roupas usadas e roubei um par de jeans e depois um polo; não queria que me encontrassem em trapos. Sobrou dinheiro suficiente para ir para um motel barato, para poder tomar um banho. Queria estar limpo quando me encontrassem", descreve.

A verdade é que a tentativa de suicídio acabou por não resultar, muito devido à pronta intervenção de um funcionário do motel.

"A última coisa que lembro é pensar que precisava comprar mais cerveja. Depois lembro-me de abrir os olhos e ver dois paramédicos à minha frente. Senti uma onda incrível de emoções: a raiva foi a primeira, depois medo e tristeza, porque isto deveria ser o fim, eu não deveria estar vivo. Lembro-me de esbracejar enquanto alguém me abraçava. Foi a primeira vez que fui abraçado em sei lá quantos anos. Ele apenas abraçou-me enquanto eu continuava a esbracejar e disse-me 'Vai ficar tudo bem. Eu não sei como. Mas vai ficar tudo bem'", afirmou Felipe.

A reabilitação e reencontro com o filho

Depois de recuperar no hospital, o costa-riquenho entrou numa clínica de reabilitação onde lhe deram cama e comida, avisando desde logo que, caso tivesse uma recaída, deixaria a clínica e voltaria a estar entregue a si próprio. Mas tal não aconteceu e, após seis meses de reabilitação, Nystrom conheceu uma mulher e mudou-se para Portland, nos Estados Unidos.

Nos últimos dez anos, o costa-riquenho trabalha como tradutor para pacientes hispânicos em hospitais, reconhecendo o quão recompensador tem sido, em comparação com o seu passado.

"Eu estava a sair do hospital e disse: 'É isso o que eu preciso de fazer, é assim que vou começar a retribuir à sociedade'. Quando os meus colegas dizem 'não teríamos conseguido sem ti', é um tipo de reconhecimento muito diferente do que quando o meu 'dealer' dizia ' ainda bem que vieste'", confessa.

Para além da vertente profissional, Nystrom reencontrou-se com o filho, confessando os erros que cometeu, e prometendo fazer de tudo para lhe dar tudo aquilo de que necessita. Felipe mergulho no seu trabalho para tentar ajudar o filho, mas rapidamente percebeu que não podia ficar-se apenas por aí.

Felipe Nystrom e o filho Mathias
Felipe Nystrom e o filho Mathias Felipe Nystrom e o filho Mathias créditos: Felipe Nystrom

O cyclocrosse

Tentou voltar ao futebol, mas já não era a mesma coisa, virou-se para o triatlo, mas tinha uma aversão à natação; contudo, achava graça à parte do ciclismo. Apesar de concorrer com ciclistas 20 anos mais novos, Nystrom rapidamente passou de iniciante para a 'Category One', o nível mais alto do ciclismo amador.

Mas o costa-riquenho estava determinado em mostrar ao filho que nunca se deve desistir dos sonhos. Em 2019, Felipe Nystrom participou e venceu o campeonato nacional de estrada da Costa-Rica...mas não se ficou por aqui. Depois da estrada, o Nystrom mudou-se para a terra, colinas pedras e árvores, em suma: cyclocrosse.

"Era frio, húmido e cheio de lama. Punham obstáculos no caminho que te obrigam a sair de cima da bicicleta. Não!", disse o costa-riquenho.

Contudo, e com grande esforço e recolhendo pessoalmente os fundos necessários, Nystrom conseguiu marcar presença nos mundiais de cyclocrosse em Fayetteville, nos Estados Unidos, a primeira vez que um ciclista da Costa Rica participava nesta competição.

Nystrom acabou em último na prova, e no final afirmou que tal não foi o seu principal objetivo.

"Se alguém espera que eu lhes dê um resultado numa dessas corridas, eles não percebem nada sobre ciclismo. Mas não é sobre isso. Eu sou um homem de 40 anos, que trabalha de 12 a 15 horas, às vezes 18 horas por dia para financiar essa ideia maluca de correr ao mais alto nível", realçou o ciclista após a prova.

Após os mundiais, a história de Felipe Nystrom rapidamente correu mundo, tornando o costa-riquenho numa das principais figuras do pelotão, adorado pelos adeptos um pouco por todo o mundo. Para além disso, o ciclista foi também muito bem recebido e tratado pelos restantes corredores do circuito.

"Tem sido simplesmente incrível. É tão inacreditável o apoio que os adeptos me dão. Eles gastam o seu tempo e dinheiro para vir ver o melhor dos melhores. E também para torcer por mim e fico muito grato por isso. Fico especialmente grato também aos outros corredores porque tenho certeza que lhes seria muito fácil dizer: 'porque é que ele está aqui?'. Eles proporcionaram-me um lugar na grelha de partida deles - isso, para mim, é maior do que qualquer resultado que eu possa obter numa dessas corridas", disse Felipe Nystrom.

Felipe Nystrom acena aos adeptos
Felipe Nystrom acena aos adeptos Felipe Nystrom acena aos adeptos créditos: Rex Features

Hoje, Nystrom não esconde o seu passado e brinca ao fazer um paralelismo entre a dedicação que dá ao ciclismo e os seus anos de vício em álcool e drogas.

"É constrangedor. Antes eu gastava todo o meu dinheiro a tentar comprar o máximo de gramas que podia. Agora, gasto todo o meu dinheiro a tentar perder todas as gramas que posso!", afirma Nystrom em tom de chacota.
Relativamente ao futuro, Felipe Nystrom diz que quer continuar a fazer a diferença e a superar-se, na esperança que o seu exemplo inspire e ajude alguém que esteja a passar pela mesma situação que ele atravessou.
"Algures, há alguém que está a sofrer da mesma maneira que eu sofri. Essa é a pessoa que eu espero alcançar", remata.