
Johanne Defay foi eliminada nos quartos de final do MEO Rip Curl Portugal Pro pela campeã olímpica de Paris2024 e campeã mundial de surf, em 2023, Caroline Marks.
Até aqui, a frase poderia assinalar, nada mais, do que um simples dado estatístico sobre a eliminação da surfista francesa de 31 anos aos pés da norte-americana de 23 anos, no decurso da 3.ª etapa do Championship Tour (CT), circuito de elite da Liga Mundial de Surf (WSL), a decorrer em Supertubos, Peniche.
No entanto, a vencedora de 2024 da etapa portuguesa do CT apresentou-se com uma particularidade em Portugal. Está grávida de 4 meses (16 semanas). E Peniche será a última etapa que participa na temporada do circuito mundial de surf.
Contamos a história em três atos. O antes, durante e o depois, ou princípio, meio e fim.
Vamos ao como tudo começou. A gravidez foi revelada em fevereiro.
“Nos últimos 15 anos, tenho viajado pelo mundo à procura de um sonho de infância. Fechei o círculo, alcancei os meus objetivos, tenho mais de trinta anos e as perspetivas mudam, as prioridades evoluem”, escreveu nas redes socias, no passado mês de fevereiro. “Para continuar a viver o meu sonho, preciso desta pausa para me dedicar a outros projetos... incluindo ser mãe”, anunciou.
“Esta nova aventura significa que terei que colocar o circuito mundial em pausa pelos próximos meses, esperando estar de volta à minha melhor forma na próxima temporada”, transmitiu, por escrito, então, ao mundo.
A surfista nascida na Ilha da Reunião, território francês no Índico, falhou o arranque da temporada, em janeiro, em Pipe, no Havai e terminou em 9.º lugar em Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos na estreia da piscina de ondas do deserto no Tour.
O anúncio das 16 semanas em Peniche
Johanne Defay chegou a Peniche com mais de 100 etapas nas costas e mostrou a barriga de 16 semanas durante a preparação para o evento de Supertubos .

“Sei como me sinto. Antes do evento, tivemos algumas ondas maiores e não surfei em Supertubos. Fui para o outro lado (da Baía). O que é bom aqui (Peniche). Porque se está grande num lado, está mais pequeno noutro”, disse ao SAPO DESPORTO durante a prova.
Vencedora de seis etapas no World Tour, curiosamente a última das quais em Peniche, na única vitória de uma surfista europeia nas seis visitas da competição feminina a Peniche (2010, 2019, 2022, 2023 e 2024), entrou na água sem pressão de chegar à hora das decisões.
“Se pudesse fazer bons heats (baterias) e ter uma boa performance ... só quis aproveitar o meu tempo na água”, assumiu antes de entrar em competição.
“Mas fisicamente, a minha batida cardíaca sobe rapidamente, sabia ser difícil chegar às finais, por isso, fiquei muito contente por fazer um par de heats”, reconheceu a atleta que competiu pela quarta vez em Supertubos, onde já somou, para além da vitória, dois 5.º lugares (2022 e 2019) e falhou uma edição (2023), por lesão.
De forma natural, o inusitado estado de gravidez de uma atleta em competição foi tema de conversa. “Sinto-me bem no meu corpo. Na minha mente, obviamente, (grávida) pensas também em mais alguém a partir de agora, o que é diferente”, salientou Johane Delay, antes de competir nos quartos.
“Não esqueço o que tenho dentro da barriga”
“Não esqueço o que tenho dentro da barriga. Está aqui para me lembrar (toca na barriga), mas ainda não dá pontapés”, sorriu a número 3 mundial em 2022, após passar à segunda ronda da etapa portuguesa, e única europeia, do Tour.
“Para ser honesta, todos os conselhos médicos que recebi, obviamente, disseram que é bom para as mulheres continuarem com os treinos ... até por questões de saúde mental”, frisou ao justificar a decisão de fazer as duas etapas do CT, onde deverá regressar em 2026, por força do wildcard de temporada da WSL.
“Se estou consciente do que estou a fazer, acho que estou a controlar e acho que é possível. A única coisa que precisas ter cuidado é se sofres uma pancada na barriga, o que pode, às vezes, acontecer com a prancha quando estás dentro de água”, avisou. “Mas, tento ser muito cuidadosa e estar consciente para saber onde está a minha prancha. Aprendemos isso com os anos”, realçou.
“Hoje, não me importo de perder uma onda, se estou assustada com o tamanho, não vou...”, confessou a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Paris2024.

Recua à decisão de engravidar. Fixa as Olimpíadas como um tempo a partir do qual algumas mulheres procuram outras medalhas. “De certa forma, é engraçado, na verdade, receber notícias de que muitas atletas que estiveram nos Jogos Olímpicos Paris2024 engravidaram agora”, destacou. “E, no ciclo olímpico, acho que este é o melhor momento se quisermos voltar”, perspetivou ao SAPO DESPORTO.
“Obriga a reflectir um pouco, mas estou tão feliz pelo que a natureza nos deu. É, definitivamente, uma bênção”, exclamou a surfista francesa de 31 anos que esteve em Peniche acompanhada do marido.
Johane Delay destaca exemplos de atletas mães que a inspiraram. “Tenho muitos”, diz. Cita-os: “A Carissa (Moore), Justine (Dupont) e Lisa Anderson - no passado (campeã mundial de 1994 a 1997)”, todas elas surfistas.
Foi buscar igualmente inspiração a outros desportos. “Allyson Felix (atletismo) foi uma grande inspiração, assim como Serena Williams (ténis) e outros tantos exemplos. Da minha parte, fico feliz de ser mais um (exemplo) no surf”, destacou.
Nada a provar a ninguém
Na hora da despedida, Johanne Defay garantiu que se “divertiu” e se “estivesse mar grande e não entrasse, ninguém ficaria zangado”, assinalou em declarações à WSL.
“Não estive a lutar por resultados e foi bom para mim”, disse, especialmente, assumindo ter ficado “contente” por ter competido e “ter a oportunidade de desfrutar mar pequeno e nada a bombar”, apontou.
Num ano “fácil”, durante o qual “não houve tanta pressão”, o que aí vem é algo de novo para a surfista profissional residente no circuito mundial desde 2014. “É um novo processo, cheio de incertezas e não sabemos como lidar”, afirmou.
Por fim, ao ser questionada se, um dia, colocaria o (a) filho (a) a ver o vídeo da mãe a surfar grávida de 4 meses, em Supertubos, Peniche, Johanne Delay deixou-se vencer pelas emoções.
A entrada em prova não foi “feito para provar nada a ninguém, fiz porque quis”, disparou. “Estou feliz por estarmos juntos e ter um bebé é uma bênção”, exclamou, repetindo, emocionada, a palavra “bênção”. À saída da praia, a surfista e futura mãe viria a receber da WSL uma licra para bebé.
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