O arquiteto e comentador do Porto Canal Pedro Bragança defendeu hoje em tribunal o superior interesse público das revelações feitas pelo site ‘Football Leaks’, considerando que a forma de acesso à informação “passa para segundo plano”.
“Não quero dizer que seja irrelevante a forma de obtenção de informação, mas, perante a dimensão do interesse público nestas divulgações, a questão da proveniência passa para segundo plano”, disse Pedro Bragança, clarificando: “Compreendo a existência de um dano nas partes que veem informação divulgada, mas deve ser produzido um balanço entre o valor do interesse público e o dano que é provocado”.
Na audição realizada na 39.ª sessão do julgamento do processo ‘Football Leaks’, no Tribunal Central Criminal de Lisboa, a testemunha arrolada pela defesa de Rui Pinto sublinhou também que informação que não seja para divulgação e depois acaba por se tornar pública “teve alguma forma de acesso potencialmente ilegítima”, seja por intermédio de um trabalhador da entidade visada, seja por “‘hacking’”.
Pedro Bragança assumiu ter contactado o criador da plataforma eletrónica “no início de 2019”, pouco depois de ter sido conhecida a sua identidade, através das redes sociais e que já no ano passado, após a saída de Rui Pinto da prisão preventiva, conheceu pessoalmente o principal arguido deste caso. Desse contacto admitiu ter reconhecido “um interesse genuíno em ajudar nos processos de clarificação desses negócios”.
“Ele desenvolveu uma capacidade bastante considerável na análise de documentação, cruzamento de informação e construção de mapas mentais muito complexos, que é muito importante neste tipo de negócios”, observou a testemunha, que defendeu a existência de “um antes e um depois” do ‘Football Leaks’.
A testemunha considerou que “o futebol é um fenómeno muito exposto a um tipo de criminalidade económico-financeira, porque são negócios em que o valor é muito difícil de objetivar e sofre de problemas de transparência”.
“Aquilo que o ‘Football Leaks’ veio fazer foi iluminar uma parte desconhecida da vertente económica do futebol, que era muito opaca”, referiu.
Sublinhando não ter conhecimento da forma como Rui Pinto teria tido acesso aos documentos, Pedro Bragança manifestou também a sua convicção de que sempre teve a “ideia de que estaríamos perante um grupo de pessoas” na origem das revelações do ‘Football Leaks’, embora tenha garantido não possuir qualquer “informação concreta” sobre isso.
Questionado sobre as eventuais ligações entre a plataforma eletrónica criada por Rui Pinto e o blogue ‘Mercado de Benfica’, a testemunha salientou a existência de diferenças claras.
“Na tipologia não há semelhança nenhuma. Enquanto no ‘Football Leaks’ eram revelados documentos isoladamente, no ‘Mercado de Benfica’ a informação era colocada não cirurgicamente e de forma massiva. Esse blogue fez revelações massivas em torno do Benfica, visava especificamente um clube de futebol. E enquanto no ‘Football Leaks’ havia textos a posicionar-se sobre os assuntos, no ‘Mercado de Benfica’ penso que era informação em bruto”, disse.
À margem dos factos deste processo, o comentador do Porto Canal confessou também ter passado recentemente informação a Rui Pinto a propósito da eventual participação do criador do ‘Football Leaks’ na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco.
“É um tema que pessoalmente me interessa bastante e sei que é um tema que também interessa ao Rui Pinto. Eu próprio já lhe passei informação, documentação que eu próprio recebi e que me foi confiada. Sei que ele tem essa capacidade de análise e encaminhei para ele poder enriquecer o seu depoimento na comissão de inquérito. Poderia transformar essa informação em conhecimento e torná-lo público na comissão”, declarou, assegurando ter igualmente passado “parte da informação a um membro” da comissão, bem como a um jornalista.
Rui Pinto, de 32 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.
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