Já começou o julgamento de Luis Rubiales, ex-presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, relativamente à acusação de agressão sexual devido ao beijo dado a Jennifer Hermoso, após Espanha ter saído vencedora na final do Mundial feminino de 2023. Jenni foi a primeira de 27 testemunhas envolvidas no processo a ser ouvida em tribunal.

Jenni Hermoso afirmou que, em agosto de 2023, conforme se vê em imagens então transmitidas pelas televisões em todo o mundo, Rubiales agarrou-lhe a cara na zona dos ouvidos e beijou-a nos lábios nas celebrações da vitória de Espanha no Mundial feminino de futebol, quando as autoridades felicitavam as jogadoras num palco instalado no estádio de Sydney.

A futebolista assegurou que Rubiales nunca lhe pediu para a beijar, como o ex-presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) invoca, e que não mantinham uma relação em que isso fosse normal ou habitual.

Jenni Hermoso afirmou não ter tido capacidade nem possibilidade de reagir e insistiu diversas vezes em que Rubiales era o seu "chefe".

"Senti que estava fora de contexto totalmente. Sabia que quem me estava a beijar era o meu chefe. E isso não acontece nem deve acontecer em nenhum âmbito laboral", disse.

Hermoso garantiu ter-se sentido desrespeitada e rejeição em relação à conduta de Rubiales, o que manifestou de imediato a companheiras da seleção, e reconheceu ter vivido nas horas seguintes "sentimentos contraditórios", por querer celebrar a vitória no Mundial, um objetivo para o qual trabalhou toda a vida, ao mesmo tempo que sentia que tinha sido vítima de algo "que não estava bem".

"Para mim era importante poder celebrar aquele momento. A minha atitude não apaga o que sinto. Não tenho de estar a chorar num quarto ou atirar-me ao chão quando aquilo aconteceu para dar a entender que não gostei", afirmou, quando questionada sobre imagens do balneário após a vitória da seleção espanhola no Mundial.

Jenni Hermoso confirmou também as pressões nas horas e dias seguintes, por parte de dirigentes da RFEF e do então treinador da seleção feminina, Jorge Vilda, para gravar um vídeo ou fazer um comunicado a desvalorizar o que tinha acontecido e a desculpar Luis Rubiales.

A futebolista afirmou que ninguém na então direção da RFEF a apoiou, garantindo que só falaram com ela ou a contactaram para tantar salvar a reputação e o cargo de Rubiales.

"Ninguém. Ninguém é ninguém. Ninguém se aproximou para me perguntar como estava. Nem Jorge Vilda. Ninguém se dignou a perguntar-me como estava e o que é que me passava pela cabeça. Senti-me desprotegida por parte da RFEF. Tinha de ser o meu lugar seguro", afirmou.

Luis Rubiales começou hoje a ser julgado por agressão sexual por causa do beijo a Jenni Hermoso na final do Mundial feminino de 2023.

O ex-dirigente da RFEF está ainda a ser julgado por coerção , juntamente com o ex-diretor da seleção masculina de Espanha Albert Luque, o selecionador Jorge Vilda e o antigo diretor de marketing da federação Ruben Rivera.

O Ministério Público, que em Espanha apresenta alegações antes do julgamento, pediu dois anos e meio de prisão para Luis Rubiales, que garantiu que o beijo foi consentido e o descreveu como "um beijo de celebração entre amigos".

O julgamento arrancou hoje em San Fernando de Henares, nos arredores de Madrid, com o testemunho de Jenni Hermoso, e Luis Rubiales deverá ser ouvido no dia 12 de fevereiro, assim como os restantes acusados.

Rubiales deixou a presidência da RFEF em 10 de setembro de 2023 e semanas mais tarde, em 30 de outubro, a FIFA suspendeu-o de todas as atividades relacionadas com futebol.

Este caso acabou por ditar e precipitar a queda de Rubiales à frente da RFEF, cargo que ocupou entre maio de 2018 e setembro de 2023 e cuja gestão está sob suspeita por alegada corrupção em vários contratos que a justiça espanhola está a investigar.

A própria RFEF mergulhou numa crise desde a queda de Rubiales, a quem já sucederam dois presidentes, também eles envolvidos em processos judiciais por suspeitas de corrupção.

A federação chegou a estar meses sob tutela do governo espanhol, com o objetivo de ajudar "à estabilização" do organismo, com vista à organização do Campeonato do Mundo de 2030, em conjunto com Portugal e Marrocos.

Quanto a Jenni Hermoso, o caso transformou-a, assim como às restantes jogadoras da seleção espanhola, num símbolo da luta contra o sexismo e a desigualdade de género no desporto.

As jogadoras, que se indignaram por o beijo de Rubiales ter eclipsado o triunfo de Espanha no Mundial de 2023, uniram-se no apoio a Hermoso e chegaram a fazer greve para denunciar violências machistas, discriminação e desigualdade de tratamento entre as seleções masculina e feminina.

O 'hasgtah' #SeAcabo ("acabou-se") que as jogadoras lançaram nas redes sociais na altura tornou-se também ele em Espanha num movimento pela igualdade de género e contra o machismo e a violência sexual.

*artigo atualizado às 15h43