A morte de Alfredo Quintana, no passado 26 de fevereiro, deixou o país chocado e de luto. O guarda-redes do FC Porto e da seleção nacional tinha sofrido, quatro dias antes, uma paragem cardiorrespiratória antes de um treino no Dragão Arena, a casa das modalidades portistas.
O SAPO Desporto sabe que o Dragão Arena está munido com mais do que um equipamento de Desfibrilhação Automática Externa (DAE), apesar de não ser obrigatório [Decreto-Lei 184/2012], isto porque a capacidade do pavilhão é inferior a cinco mil pessoas.
Nesse dia, o FC Porto, clube que representava desde 2010, publicou um vídeo nas redes sociais com alguns dos momentos do guardião de dragão ao peito.
Foram mais de dez anos ao serviço dos dragões, com vários títulos conquistados, que acabaram por o tornar numa figura incontornável da história do andebol do FC Porto. Pelo meio, naturalizou-se português e começou a representar a Seleção Nacional de andebol em 2014, sendo uma das figuras de Portugal nas históricas campanhas nas fases finais do Europeu de 2020 e do Mundial de 2021.
45 minutos sem o bater do coração
De acordo com o Jornal O Jogo, Alfredo Quintana falava tranquilamente com o preparador físico do FC Porto quando caiu inanimado. O médico portista auxiliou o guarda-redes, mas não o conseguiu reanimar, tal como o INEM, que chegou dez minutos depois ao Dragão Arena.
Só no Hospital de S. João, ligado à máquina de reanimação ECMO, que substitui coração e pulmões, daria sinais de vida. Contudo, foram 45 minutos em paragem cardiorrespiratória. Com o coração estável, uma TAC ao guarda-rede detetou um edema cerebral, gerado pela longa paragem cardíaca.
A ECMO (Oxigenação por membrana extracorporal) é um máquina que existe desde 2009 no Hospital São João, no Porto, e já ressuscitou - o termo não é exagerado - dezenas de pessoas, permitindo algumas recuperações plenas, sobretudo em pacientes com boa preparação física
Três atletas portugueses morreram em 2021 por morte súbita cardíaca
Alfredo Quintana foi o terceiro atleta português a morrer em 2021 por paragem cardiorrespiratória. Alex Apolinário, que representava o Alverca, do Campeonato de Portugal, e o basquetebolista Paulo Diamantino, do Mirandela Basket Clube, da II Divisão, tiveram o mesmo desfecho fatídico que o guarda-redes de andebol.
Apolinário, de 24 anos, caiu inanimado aos 27 minutos do jogo frente ao União de Almeirim (0-0), da 10.ª ronda da Série F do terceiro escalão, no Complexo Desportivo do Futebol Clube de Alverca, sem que estivesse a disputar qualquer lance.
Alex Apolinário sofreu uma paragem cardiorrespiratória e foi transportado para o Hospital de Vila Franca de Xira pelos bombeiros de Alverca, que realizaram manobras de reanimação no relvado, tendo ficado também quatro dias em coma induzido até o desligar das máquinas auxiliares.
Já Paulo Diamantino morreu durante um encontro entre o Mirandela Basket Clube e o Juventude Pacense, da II divisão. Foram tentadas manobras de reanimação durante cerca de uma hora, mas o atleta acabou por não resistir.
O jogador, que completava 36 anos nesse dia, estava a preparar-se para entrar para a segunda parte do encontro, que se disputava em Paços de Ferreira, quando caiu inanimado.
Está demonstrado que o exercício em excesso aumenta o risco de algumas doenças, incluindo cardiovasculares.
O SAPO Desporto esteve à conversa com o Professor Doutor Hélder Dores, cardiologista e médico militar do Exército Português, com a competência em medicina aeronáutica pela Ordem dos Médicos. É ainda responsável pela Cardiologia Desportiva nos Hospitais das Forças Armadas e da Luz em Lisboa e colabora com diversos clubes e federações desportivas.
É ainda docente na NOVA Medical School, onde frequenta o Doutoramento em Medicina, investigador do CEDOC (Chronic Diseases Research Center), Pós-graduado em Reabilitação Cardíaca e aluno da Pós-Graduação de Medicina Desportiva da Sociedade Portuguesa de Medicina Desportiva (SPMD).
SAPO Desporto - Alguém (saudável) está livre de morrer por paragem cardiorrespiratória (PCR)?
Hélder Dores - O risco de PCR ou morte súbita nunca é zero e afirmar que uma vítima é saudável não é por si só adequado, porque a maioria dos casos ocorrem em pessoas com doenças cardiovasculares preexistentes. O problema é que muitas vezes não são realizadas avaliações que permitam um diagnóstico precoce destas patologias, nas quais a primeira manifestação clínica pode ser uma PCR, enquanto por outro lado, há doenças, como algumas arritmias, que podem não ser identificadas previamente. Por este motivo, mesmo na ausência de sintomas é importante manter uma avaliação médica regular.
SD - Atletas profissionais têm mais probabilidades de sofrer uma PCR do que pessoas com exercício recreativo?
HD - É importante referir que o exercício físico não constitui a causa de PCR, mas sim um fator precipitante em indivíduos com doenças que aumentam o risco da sua ocorrência. Neste contexto, mais que se falar em atletas profissionais ou não, é fundamental conhecer as características do exercício, nomeadamente a intensidade em que é praticado, porque quanto mais elevada for, maior será o risco na presença de algumas doenças específicas.
SD - O exercício físico em excesso pode levar a uma PCR?
HD - Este assunto é controverso, mas podemos afirmar que como em tudo na vida, tudo o que é em excesso pode ser prejudicial e o exercício parece não ser exceção à regra. A prática regular de exercício é essencial para a saúde, associa-se a múltiplos benefícios e praticar qualquer tipo de exercício é sempre melhor do que não fazer nada. O sedentarismo e a inatividade física são verdadeiros problemas de Saúde Pública. Contudo, está demonstrado que o exercício em excesso aumenta o risco de algumas doenças, incluindo cardiovasculares. Adicionalmente, mesmo em indivíduos sem nenhuma doença prévia, a prática de exercício desregulada e em condições extremas, sobretudo climatéricas, pode provocar morte súbita, como é exemplo o golpe de calor.
SD - Existem formas de prevenções para impedir uma PCR?
HD - Penso que existem duas estratégias principais para reduzir os casos de PCR e morte súbita. Em primeiro lugar, como a grande maioria dos casos se deve a doenças que podem ser identificadas em exames complementares de diagnóstico, destaco a importância da avaliação prévia e regular dos praticantes de exercício físico. Salienta-se que a avaliação dos atletas deve ser realizada por profissionais com diferenciação em medicina desportiva ou cardiologia desportiva. Em segundo lugar, é crucial dotar os recintos desportivos de capacidade de desfibrilhação (DAE) e haver formação adequada em emergência dos diversos profissionais envolvidos no fenómeno desportivo, que são aqueles que mais rapidamente poderão responder nestes casos.
SD - Existem diferenças na preparação dos departamentos médicos de clubes das modalidades (mesmo as profissionais) quando comparadas com as dos clubes de futebol da I ou II Liga?
HD - Relativamente à preparação é difícil dizer, porque em termos técnicos todos os profissionais que integram os departamentos médicos, independentemente do clube e da modalidade, devem ter a formação base e a devida qualificação nas suas áreas de especialidade. No entanto, os recursos são muito distintos, comparando não só as modalidades com o futebol profissional, como diversos clubes nesta modalidade específica entre si. A nossa ambição é que qualquer atleta, independentemente da modalidade, do clube ou do nível competitivo, possa ter ao seu dispor os mesmos cuidados clínicos, sejam de rotina ou em contexto urgente, mas neste aspeto ainda há muito para fazer.
SD - Como avalia o tempo desde o pedido até à chegada de uma viatura de emergência médica nas grandes cidades?
HD - A resposta pré-hospitalar é habitualmente muito célere, sobretudo nos casos de PCR, onde é acionada uma Viatura Médica de Emergência e Reanimação. Penso que no centro das grandes cidades, como no Porto e em Lisboa, esta viatura chega ao local rapidamente e este aspeto é fundamental para aumentar o sucesso da reanimação e recuperação dos casos de PCR.
SD - Porque é que existem atletas cujas PCR são 'revertidas'? Está relacionado mais com o próprio corpo ou com a resposta rápida médica?
HD - Depende de vários fatores. Um fator essencial é a causa, a doença, que está na origem da PCR, nomeadamente o ritmo que é identificado quando a vítima é abordada e monitorizada, porque uns ritmos têm indicação para desfibrilhação imediata, enquanto outros não, sendo realizada uma abordagem distinta. Outro aspeto determinante é a rapidez com que são iniciadas as manobras de reanimação após a identificação da PCR, mesmo antes da chegada da equipa médica ao local. Todos os minutos contam. Cada minuto de atraso na desfibrilhação reduz em 10-12% a probabilidade de sobrevivência, sendo o declínio da taxa de sobrevivência mais gradual quando se realiza suporte básico de vida.
SD - Se alguém sofrer uma PCR ao nosso lado, quais os passos a tomar?
HD - A primeira atitude perante um caso de PCR é ligar imediatamente 112 para pedir ajuda e se estivermos acompanhados, outra pessoa deverá iniciar manobras de suporte básico de vida. Quando temos acesso a um desfibrilhador automático externo este deverá ser utilizado. Apesar da probabilidade de nos depararmos com uma PCR ser baixa, a formação em suporte básico de vida poderá fazer toda a diferença e ajudar a salvar mais vidas, que até poderá ser a nossa. Neste contexto, é essencial garantir os procedimentos que englobam a designada Cadeia de Sobrevivência composta por quatro elos de igual importância e que são vitais para recuperar uma vítima de PCR (ligar 112, reanimar, desfibrilhar e estabilizar).
Também há finais felizes
Iker Casillas sofreu um enfarte do miocárdio durante um treino do FC Porto no dia 1 de maio de 2019. Desde então, não voltou a jogar, mas manteve-se ligado ao FC Porto, permanecendo a dúvida quanto a um regresso à competição.
Após o enfarte e já no período de recuperação, o FC Porto anunciou que o espanhol iria integrar, enquanto recuperava, o “staff diretivo da equipa de futebol”, mas chegou a inscrevê-lo na I Liga para a época 2019/20.
O guarda-redes chegou ainda a anunciar que iria concorrer às eleições para a presidência da Federação Espanhola de Futebol, mas acabou por desistir.
Em 04 de agosto de 2020, colocou um ponto final na sua carreira de jogador de futebol.
Com a seleção espanhola conquistou um Campeonato do Mundo (2010) e dois Europeus (2008 e 2012), além de vários prémios, e nos ‘merengues’ conquistou três Ligas dos Campeões, um Mundial de clubes, uma Taça intercontinental e duas supertaças europeias.
Na Liga espanhola foi campeão cinco vezes, sempre com o seu clube desde a formação, o Real Madrid, pelo qual venceu ainda duas Taças do Rei e quatro supertaças espanholas.
Em Portugal, onde chegou 2015/16 para representar o FC Porto, conquistou apenas um título nacional (2017/18) e uma supertaça (2018).
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