O Estado tem de redistribuir melhor as receitas de tributação dos jogos sociais para ajudarem no desenvolvimento das modalidades, vincaram hoje os presidentes das federações de canoagem (FPC), motociclismo (FMP) e natação (FPN).

“A nossa proposta não é uma tributação dos rendimentos do futebol, mas do jogo online. Dos jogos sociais da Santa Casa, 80% é dinheiro que vai para o Estado e, apesar de ser do Totoloto e das apostas desportivas, só uma ínfima parte é distribuída pelo desporto. O financiamento do desporto está a ser feito pelos jogos sociais, mas fala-se que pode ser retirado um acréscimo disso por parte da Santa Casa”, partilhou o líder máximo da FMP, Manuel Marinheiro, durante a cimeira Thinking Football, no Palácio Rosa Mota, no Porto.

Em 23 de agosto, logo após uma reunião entre as duas partes, a secretaria de Estado da Juventude e do Desporto anunciou que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) manterá este ano os patrocínios às entidades desportivas, que, em 2024, passam a ser repartidos pela organização e pelo Governo, sem revelarem a contribuição de cada uma.

“As últimas notícias vieram trazer alguma tranquilidade às federações. Na altura, vimos o assunto com grande preocupação, já que, do Orçamento do Estado, pouco ou nada vai para o desporto. Ou seja, ao vermos a Santa Casa em dificuldades financeiras, claro que soaram os alarmes no desporto, nomeadamente nas federações que não a de futebol, porque o financiamento pode estar em risco no futuro”, reconheceu Vítor Félix, da FPC.

Através de cartas assinadas pela provedora Ana Jorge, que assumiu funções em maio, a SCML tinha avisado as federações desportivas e o Comité Olímpico de Portugal (COP) para a necessidade de rever os seus apoios, medida assente na “conjuntura económico-social”, que veio determinar “novas exigências" junto das “populações mais vulneráveis”.

“As apostas constituem um risco. O orçamento resultante dos jogos online apenas para o futebol é superior ao valor total para todas as organizações desportivas em Portugal. Isso tem a ver com os critérios de interpretação do enquadramento legal de distribuição dessa verba, criando clivagens naturais entre federações”, ilustrou António José Silva, da FPN.

As pretensões da SCML foram conhecidas a menos de um ano dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Paris2024, mas nenhum dos seus patrocínios está associado a esses dois programas, ambos financiados pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ).

“A Federação Portuguesa de Ténis extrai sete milhões de euros (ME) em jogos online e a Federação de Desportos de Inverno recebe 1,5 ME, mas as de natação e canoagem não têm disto. A clivagem será prejudicial, não porque o dinheiro traga desenvolvimento, mas porque nos permite criar os recursos necessários para catapultar as organizações para outros níveis de desenvolvimento e de qualidade desportiva”, juntou António José Silva.

Numa conferência intitulado “Alto rendimento e excelência desportiva”, Vítor Félix admitiu que a indefinição sobre os apoios da SCML a longo prazo serve de “excelente mote” para debater o financiamento do setor do desporto no país e introduzir alterações legislativas.

“Já que estamos a falar numa cimeira de futebol, dou o exemplo dos direitos televisivos detidos pela vizinha Liga espanhola. Creio que cerca de 1% vai para o Conselho Superior do Desporto espanhol, que, depois, é distribuído por todas as federações nacionais. Não sei qual é o valor de 1% dos direitos televisivos de La Liga, mas deduzo que seja muito dinheiro. Aí se vê a diferença do que é o desporto em Portugal e em Espanha”, analisou.

Caracterizando a repartição díspar de receitas sociais nas várias modalidades como uma “situação caricata”, Manuel Marinheiro lamenta que o desporto esteja a replicar um dos clássicos lemas do Euromilhões e “crie excêntricos todos os dias em vez de campeões”.