Milhares subiram hoje a serra da Lousã para verem os carros que competem no Rali de Portugal a descerem a encosta, num público que se junta por amor ao desporto, mas também pelo convívio, indiferente aos 'banhos de pó'.
Os galos cantam por volta das sete da manhã, mas a aldeia de Vilarinho, no concelho da Lousã, há muito está acordada.
É tempo de arrumar tendas, beber o café num balcão improvisado no centro da aldeia, e subir a custo a serra, por pequenos carreiros, até às zonas de espetáculo, escondidas no meio de uma encosta coberta por pinheiros, eucaliptos e acácias.
Duas horas antes do troço da Lousã arrancar, os melhores lugares parecem já estar todos ocupados para ver, com sorte, um ou dois segundos de mestria automobilística num cotovelo da estrada de terra batida e ‘comer’ nuvens de pó, de dois em dois minutos — a cadência dos carros que vão passando.
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O carro zero (que inaugura a competição no troço) passa e a expectativa sobe. Ouvem-se assobios e buzinas, as pessoas aproximam-se das baias de segurança e, pela serra, vão-se vendo nuvens de pó por entre a floresta que indiciam a chegada do primeiro carro, antes de se começar a ouvir sequer o roncar do motor.
Mário, de Tavira, lança para o ar reclamações contra a dificuldade de chegar à zona de espetáculo, mas, pouco depois, admite à agência Lusa que vale a pena, que o espetáculo “é bonito” por aquelas bandas.
Rúben, também algarvio, de cerveja na mão, interrompe a conversa e socorre-se do calão para adjetivar o que sente pelo rali.
“Isto é espetacular”, resume, abandonando, por momentos, o palavreado mais prosaico.
Márcio Carvalheira, de 35 anos, é de Condeixa-a-Nova e acompanha o rali desde os 20 anos de idade.
Com o rali veio também a paixão pela fotografia. Começou com o telemóvel, mas depois de os amigos lhe gabarem o “olho” para a coisa, decidiu comprar uma câmara e está até a tirar um curso para alimentar o sonho de se profissionalizar na arte de tirar fotos a carros por entre a poeira que se levanta.
“Nunca falho um ano”, diz à agência Lusa Márcio, que conta fazer 1.300 quilómetros para acompanhar toda a prova este ano.
Para o natural de Condeixa-a-Nova, o convívio “é maravilhoso”.
“Conhecemos sítios novos e gente porreiraça”, vinca.
Ricardo Domingues, que dormiu no carro depois de uma viagem de Santa Maria da Feira até à Lousã, também aponta para a camaradagem e boa disposição.
Para além disso, há, claro, os carros e o espetáculo que dão, nem que por vezes só se ouça e não se veja.
“O som… aquilo parecem umas motosserras. São segundos, mas é fantástico”, salienta.
José Lopes, de Coimbra, é outro veterano que já não consegue contar pelos dedos das duas mãos as edições que já viu do Rali de Portugal, em particular na região.
“Já bato isto há muito tempo”, diz, sublinhando que conhece bem os cantos à casa e sabe quais os melhores locais para ver o espetáculo e como chegar até eles.
Este ano, está por Vilarinho, mas admite que Celavisa, em Góis, é dos pontos mais interessantes.
O amor pelo desporto levou este agente funerário a investir em carros e chegou a ser navegador durante dois anos, em campeonatos regionais.
Já não compete, mas continua a percorrer as serras da região de Coimbra para assistir àquele desporto.
“Já tive um Honda CRX e agora tenho um BMW. Tenho o pé pesado e a maluqueira não passa com a idade”, reconhece José Lopes, que apesar de todo o gosto pelos carros, é o convívio que o prende, que os automóveis passam “num instante”.
Tiago Carvalho, de 38 anos, alugou uma autocaravana com mais dois amigos para acompanhar todo o Rali de Portugal — um hábito tão devocional que assim que saem as datas da competição, tira logo férias.
“Conheci isto aos cinco anos, com o meu pai, e agora que estou prestes a ter um filho espero que possa fazer o mesmo, se ele gostar”, vinca o homem de Ponte de Lima, que trabalha na indústria farmacêutica.
Na aldeia de Vilarinho, assim que chegou, foi logo à procura do senhor Abílio, habitante da aldeia com uns 80 anos, com quem travou amizade noutros anos, e que “bebe vinho do Porto como ninguém”.
Apesar de adorar os carros, também Tiago salienta a camaradagem que se sente naquele lugar e aponta para José Lopes, que não conhecia, mas com quem já combinou para onde ir a seguir acompanhar a prova.
“Se tiver de vir sozinho, sei que não ficarei sozinho. O rali é isto: eu ofereço uma bebida a alguém, outra pessoa diz-me onde é que eu posso ver a prova noutra localidade, bebe-se uma cerveja e dá-se duas de treta. O rali é o antes, o durante e o depois”, salienta o jovem, que pouco depois despede-se para seguir José Lopes e tentar a sorte em Celavisa.
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