Meio aos trambolhões, meio embalados nas luvas de Diogo Costa: eis como Portugal chega aos quartos-de-final de um Europeu em que, verdadeiramente, apenas foi convincente na vitória frente à Turquia. Ontem, contudo, talvez tenha sido o epítome de todos os fantasmas que se foram vendo numa seleção que, relembramos, tudo o que não fosse chegar a esta fase seria um retumbante fracasso.

Esta tem sido, aliás, uma fase inicial de predador e presa. Metaforicamente, sim, mas com confirmação mais ou menos clara na maioria dos jogos. Esta fase a eliminar configura, em quase todos os jogos, um claro favorito contra um 'underdog'.

Escrevo estas linhas antes dos jogos de quarta-feira, mas a única surpresa, até ver, acabou por ser o fracasso italiano. Foi surpresa apenas para quem não viu os jogos da fase de grupos de ambas as equipas. Vaticinava-se a supremacia da organização suíça (cuidado, ingleses!) contra o deserto de ideias dos italianos, e assim foi.

Quer isto dizer que, Portugal, como a maioria dos grandes favoritos, tem passado parte substancial dos jogos em organização ofensiva, tendo bola, e lutando contra blocos baixos, tendo de procurar soluções para criar situações de finalização em zonas em que, inevitavelmente, estará em inferioridade numérica.

De pouco adiantam lamentos pífios sobre o adversário defender durante boa parte do jogo, sobre a aglomeração defensiva ou sobre estratégias que visam retardar o golo adversário. O futebol é assim mesmo, e as equipas mais fortes têm de encontrar soluções para contornar blocos defensivos dessa ordem.

A maioria das equipas tem conseguido contornar estes blocos com sucesso, mas umas mais aos tropeções que outros. Ter jogadores substancialmente melhores faz a diferença. Por exemplo: quantos jogadores da seleção eslovena jogariam na seleção portuguesa? Respondo: zero. Talvez Oblak – resposta blasfema num dia em que todos elevamos Diogo Costa ao estatuto de herói nacional. O mesmo se passa com a seleção inglesa e a eslovaca, por exemplo. Mais um jogo entre gato e rato que caiu para o lado favorito a reboque das individualidades. Por ora, foi Jude Bellingham que assumiu a espada e abriu caminho para os 'quartos'.

Não creio que os planos de jogo de Martinez sejam o principal problema. Excetuando o jogo com a Geórgia – em que, notoriamente, a preparação e gestão do jogo foram sacrificadas com vista ao jogo seguinte – não se sente que os onzes tenham sido mal montados, ou que os planos de jogo não tenham tido em conta o adversário. Quase todos concordaríamos com o onze para o jogo de ontem. O problema é que fora isso, falhou... quase tudo.

O plano de jogo pareceu contemplar uma quase exclusiva projeção de Cancelo, com Nuno Mendes quase sempre em equilíbrio. A equipa sentiu falta da amplitude e largura dadas pelo lateral esquerdo, que quase sempre funcionou como central. Isso fez, muitas das vezes, com que a equipa circulasse a bola de forma lenta e previsível, o que é ouro sobre azul para quem espera como esperou a Eslovénia: há tempo e espaço para ajustar e reorganizar a equipa. Todos sabíamos que os eslovenos teriam uma postura parecida à que outros oponentes tiveram, e a equipa não pareceu ter soluções para ultrapassar o bloco adversário.

Se o jogo não corre de feição, cabe ao treinador e aos jogadores encontrar soluções para, coletivamente, derrotar a estratégia adversária. Aqui começou o principal problema. Sentiu-se que, excluindo quando emendou a mão – passou Bernardo para o meio, deu os corredores a Jota (esquerda) e Chico (obviamente, direita) – Martinez quase sempre piorou a equipa quando nela mexeu. Tirar Vitinha (o mais esclarecido, que contrariou a tendência da circulação por fora do bloco do adversário), partiu a equipa e tirou-nos capacidade de acelerar o jogo no passe.

A manutenção de Bernardo, Bruno e Ronaldo – talvez os três piores em campo – levam a crer que as substituições foram feitas com base numa de duas situações: ou Martinez crê que os melhores devem sempre manter-se em campo e que poderão fazer o que Bellingham fez – resolver o jogo num fogacho isolado – ou pior, muito pior, que lhes tem demasiado respeito, e prefere tirar jogadores mais novos e com menos estatuto... como Leão e Vitinha. No limite, que antes do jogo começar, estão pré-definidos os jogadores que saem, independentemente das incidências do jogo, e que isso obedece a critérios pouco claros. E o que dizer sobre os marcadores de bolas paradas?

O que é preocupante nesta dependência de individualidades para debelar problemas coletivos é, claro, o que vai acontecer daqui em diante. Termos um dos guarda-redes mais completos do mundo resolveu esta eliminatória, e o normal é que a supremacia e variabilidade de soluções que temos fizesse frente a 90% das equipas deste Europeu.

Contudo, isso acabou. Não, o Europeu não começou nos oitavos. O Europeu começa agora. A França tem, talvez, a seleção mais bem apetrechada de soluções da prova. Esta é a fase da supremacia coletiva, da superioridade estratégica, do pormenor.

Nem tudo é mau: pela primeira vez, iremos enfrentar uma seleção que sentirá mais obrigação que nós de dominar o jogo – pela primeira vez na era Martinez (já agora, porquê?). Os problemas que vamos enfrentar serão, provavelmente, muito diferentes. É inevitável que a estratégia também seja outra. Perante problemas diferentes, teremos nós uma caixa de ferramentas melhor do que a que apresentámos até agora?