A informação passada por Rui Pinto ao consórcio internacional de jornalistas de investigação que originou o caso ‘Luanda Leaks’ causou um “tremor de terra” em África, defendeu o diretor de uma plataforma de proteção a denunciantes no continente africano.
Ouvido como testemunha de defesa do principal arguido do processo ‘Football Leaks’, na 38.ª sessão do julgamento no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, Henri Thulliez, diretor da plataforma PPLAAF - da qual o advogado William Bourdon (que representou internacionalmente Rui Pinto) é o presidente -, disse que Bourdon teve acesso no ano 2018 a um disco externo “com um volume considerável de informação sensível” sobre África.
“[Os jornalistas] fizeram uma investigação sobre o disco e imediatamente encontraram duas potenciais histórias: uma sobre o empobrecimento e a pilhagem da população africana e a concertação entre intermediários ocidentais para facilitar esta pilhagem”, explicou por videoconferência Henri Thulliez, sublinhando: “Os jornalistas começaram a publicar em janeiro de 2020 e produziram um verdadeiro tremor de terra”.
Segundo o testemunho realizado por videoconferência e com recurso a tradutor, o advogado e diretor da plataforma, criada em março de 2017, assegurou que inicialmente não sabia que seria Rui Pinto quem estaria na origem das informações, notando posteriormente que este não exigiu contrapartidas em troca, mas apenas um “trabalho jornalístico sério” dos dados fornecidos.
“Na época não sabia quem estava por detrás do ‘Football Leaks’. Em finais de 2018, William Bourdon disse-me que o fundador do ‘Football Leaks’ é que lhe tinha fornecido o disco. Dei-me conta de que era a mesma pessoa quando ele foi detido. Não conhecia a identidade de quem estava por detrás do ‘Luanda Leaks’ e ‘Football Leaks’”, referiu, sem deixar de revelar depois ter tido um contacto telefónico com o criador do site que agitou em 2015 o futebol europeu.
Questionado sobre as consequências das revelações trazidas a público no âmbito do caso ‘Luanda Leaks’ - que expôs em janeiro de 2020 alegados esquemas financeiros da empresária Isabel dos Santos e do marido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais -, Henri Thulliez vincou que estas foram sentidas “em África e à volta do mundo, porque a corrupção é transfronteiriça”.
“Em Lisboa, houve o congelamento de dezenas de contas bancárias. Em maio de 2020, a polícia alemã encontrou documentos num banco envolvendo Isabel dos Santos. Houve uma autoridade bancária europeia que lançou um inquérito na sequência da divulgação do ‘Luanda Leaks’. Em setembro de 2020, um procurador holandês congelou contas de uma empresa associada à Sonangol”, enumerou, reiterando a existência de “inquéritos em curso” em diversos países e resumindo: “Com estas revelações, tornou-se impossível Angola e Portugal ficarem sossegados”.
Já sobre a opção de entregar a informação constante de mais de 715 mil ficheiros a um consórcio de jornalistas e não às autoridades judiciais, o diretor da PPLAAF (Plateforme de Protection des Lanceurs d'Alerte en Afrique, na sigla em francês) elencou três razões que estiveram na base da decisão de Rui Pinto.
“Era clara a intenção por parte do denunciante de que esta informação fosse revelada, que os investigadores da plataforma são por vezes mais eficazes do que as autoridades dos países e que se esta informação fosse facultada às autoridades não suscitaria a pressão pública que só a divulgação dos órgãos de comunicação social permite”, indicou.
Henri Thulliez encerrou a sua audição com a defesa do valor das revelações, ao enfatizar que “o interesse geral prevalece sobre a forma como as informações foram obtidas”.
O julgamento prossegue de tarde com as audições das testemunhas Francisco Empis, antigo diretor de comunicação da Doyen, e Giuseppe Russo, sociólogo e investigador italiano. De manhã, acabaram por não ser efetuadas as audições de Arif Efendi e Adam Gomes, que vão ser alvo de nova tentativa de notificação e reagendamento.
Rui Pinto, de 32 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do ‘Football Leaks’ encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.
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