A vida tem formas curiosas de nos mostrar caminhos alternativos para o sucesso, que nem sempre são fáceis ou rápidos. Marco Paixão tem toda uma carreira passada em ligas periféricas, repleta de golos, alegrias, arrependimentos e muitas experiências.
Enquanto um dos melhores marcadores portugueses no ativo (237 golos em 552 jogos), mudou a vida após ler um livro e, aos 39 anos, está a desfrutar os últimos anos de carreira antes de 'pendurar as botas' e rumar ao próximo desafio.
Capítulo I: O início
Nascido e criado em Sesimbra, uma vila piscatória que dá nome ao município localizado em Setúbal, Marco Paixão começou a dar os primeiros chutos no clube da terra, ao lado do irmão, Flávio Paixão, com umas botas Lotto vermelhas, oferecidas pelo pai. A relação entre os dois irmãos estende-se para além da familiar, uma vez que foram colegas de equipa em vários clubes, como Sesimbra, FC Porto B, Slask Wroclaw ou Lechia Gdansk, o que para o avançado português é uma das páginas mais bonitas do seu percurso.
"Ter um irmão que joga futebol e que partilha da mesma paixão é bonito e é maravilhoso. São momentos únicos. É muito difícil hoje em dia ter uma pessoa que nasce contigo, que joga à bola contigo e que partilha da mesma paixão. Aquilo que eu posso dizer é que foi e é lindo. Ele terminou a carreira no ano passado, mas nós partilhámos momentos muito bonitos e aquilo que eu posso dizer é que eu estou muito orgulhoso da carreira que ele fez. Acho que a minha família está toda muito orgulhosa", explicou o atacante.
Ambos fizeram a estreia no futebol sénior nos escalões inferiores, num dos patamares "mais puros" do desporto-rei. Nessa altura, o futebol era tudo: na rua, no campo, na escola, onde quer que fosse, a bola estava sempre presente e proporcionou a Marco uma infância feliz, que se perpetuou para os primeiros anos da vida adulta, com a bola como elo de ligação.
Foi a partir do Sesimbra que surgiu a primeira grande oportunidade na carreira do (então) jovem avançado: o FC Porto B mostrou interesse e avançou para a contratação, embora essa aventura só tenha durado uma temporada, em 2005/2006. Apesar de ter sido um grande passo na altura, deixou uma mescla de sentimentos para Marco Paixão.
"Foi positivo no sentido em que dei o salto e estive com grandes jogadores, que até hoje mantenho contacto. Por outro lado, no final da época a equipa B terminou e queria ter feito melhor. Não foi possível devido à mentalidade que eu tinha, uma vez que vinha do futebol amador e a transição para o futebol profissional não é fácil, precisas de uns anos para crescer. Eu sei que era um bom jogador e que podia ter crescido ali no FC Porto, mas nas equipas grandes há necessidade de resultados e tu tens de estar preparado. Infelizmente, mentalmente, ainda não estava bem preparado", revelou.
Capítulo II: À descoberta do Mundo
Após o período nos dragões, seguiu-se o estrangeiro. Marco Paixão começou o percurso fora de portas, inicialmente com uma deslocação curta até ao país vizinho. Em Espanha, representou clubes de menor dimensão, antes de se tornar num verdadeiro 'globetrotter', passando por países como Escócia, Irão, Chipre, Polónia, República Checa e Turquia.
Foi nesta parte da carreira que o avançado começou a transformar-se enquanto jogador e percebeu que teria de fazer algo mais para se destacar da concorrência. Passou de trabalhar como um jogador normal, para adotar rotinas de elite mundial. O segredo da transformação começou com a leitura de um livro.
"Até aos 26, 27 anos eu tive uma mentalidade de jogador amador, no sentido em que eu culpava sempre os outros: a culpa era sempre do treinador ou do jogador que não me passava a bola. Não treinava a sério, quase que treinava por treinar. Depois comecei a ler. Li "Os segredos da mente milionária", que ajuda a fazer uma introspeção daquilo que nós somos, de onde é que os nossos pensamentos vêm, a importância de ter um pensamento positivo e essa foi a outra fase da minha vida onde eu comecei a crescer exponencialmente", conta, admitindo que poderia ter atingido outros voos se adotasse esta forma de trabalhar mais cedo.
Com experiências em várias ligas, Marco Paixão aprendeu um pouco em todas as culturas e aventuras que teve ao longo dos mais de 20 anos de carreira. Ainda assim, a preferida foi mesmo em Espanha. Além da proximidade física e cultural, o futebolista ficou apaixonado pela forma de trabalhar.
"Sem dúvida a Espanha é o país que me deu mais gozo jogar. Pelo nível técnico, o trabalho tático, o trabalho técnico, o facto de irem muito ao detalhe do jogador... é tudo tática e técnica. Aliás, eu gostava de voltar para a Espanha e jogar nem que fosse um ano só para voltar a desfrutar e sentir realmente o que é o futebol puro que se joga em Espanha. O famoso tiki-taka", explica.
Mas nem tudo foram rosas nas aventuras no estrangeiro.
"O mais difícil, a parte mais dura da minha vida foi quando estive seis meses no Irão. Sem dúvida, foi uma fase complicada. Quando nós não estamos preparados mentalmente, acreditamos em pessoas que nos fazem acreditar que o dinheiro é o mais importante. Quando nós somos jovens e estamos guardados por pessoas que não são as indicadas, levam-te a caminhos que não tens que estar. Nem sei porque é que fui para lá, custa acreditar como é que eu cheguei a esse ponto. Mas lá está, são as pessoas que nos rodeiam, são as pessoas que nos fazem acreditar numa ideia que aquilo é que é bom e nós esquecemos do nosso sonho", explica, salientando o facto de alguns empresários do mundo futebolístico se aproveitarem de jovens jogadores.
Depois deste período complicado, Paixão encontrou a sua melhor versão na Polónia, onde se fixou como um dos melhores pontas de lança do campeonato. Foi fustigado por lesões que o abalaram e o fizeram entrar numa espécie de depressão, mas reergueu-se e conseguiu voltar mais forte. Pelo meio, conseguiu participar em jogos de qualificação da Liga dos Campeões e na Liga Europa, que guarda na memória como alguns dos "momentos mais bonitos da carreira".
Foi somando golos e boas exibições na Polónia e na Turquia (onde até hoje joga), ficando na história de clubes como os polacos do Lechia Gdansk ou os turcos do Altay. Ainda assim, não se esquece dos problemas que enfrentou ao longo da carreira e que muitos outros jogadores partilham, sendo muitas vezes esquecido o lado complicado da profissão, em detrimento do dinheiro que se pode ganhar ou dos bens materiais que se conquista.
"Num momento estás muito bem e assinas por um clube de topo e no outro momento lesionas-te, vens cá para baixo e não percebes o que se passou. É muito complicado lidar com isso, até há vários jogadores que caem em depressão nestas situações. As pessoas de fora não sabem disso e só vêm os carros, as casas, as marcas de luxo, mas não sabem o que nós passamos, porque somos só julgados pelo que fazemos nos 90 minutos. Não sabem o que fazemos nos treinos, os que se passa com a nossa família e isso tudo afeta o psicológico e a maneira de jogar", desabafa.
Capítulo III: O encerrar de uma etapa e o renascer da fénix
Aos 39 anos, Marco Paixão está a caminhar em direção ao pôr-do-sol da carreira. O avançado deixa para trás um legado de respeito, cimentado em muitos golos, experiências, ensinamentos e aventuras. Apesar de se sentir um homem realizado, o atacante acredita que ainda ficou a faltar cumprir certos objetivos, que poderiam ter sido possíveis com uma pontinha de sorte e um "despertar" menos tardio.
"Faltou ter mentalidade mais cedo porque acho que poderia ter atingido um nível brutal. Faltou também ser internacional, que estive perto mas não aconteceu, e prometi ao meu pai que iria ser, mas não consegui. Depois foi jogar na La Liga, que também não aconteceu. Aliás, estive perto da Bundesliga, tinha dois clubes interessados, mas demoraram muito a decidir e como estávamos perto do fecho do mercado não pude esperar mais".
Ainda assim, agora Marco acredita que ainda joga outra temporada e que depois "logo se vê". A época 2025/26 pode representar o final da carreira de futebolista, mas é o início de outra etapa que já está devidamente planeada. Entretanto, resta desfrutar destes últimos anos e há segredos para conseguir manter o nível até ao derradeiro jogo.
"Eu aqui na Turquia estou super feliz. Aliás, eu fui quatro vezes máximo goleador daqui, fomos campeões da segunda liga, fomos à primeira liga, vivi numa cidade maravilhosa e agora mudei de clube. Obviamente que eu não posso dizer que com 39 anos eu estou como quando tinha 25, mas hoje em dia, quando se come bem, quando a gente se alimenta bem e quando se vai ao ginásio todos os dias dá manter num nível bom. E aí é onde eu estou. Claro que a alimentação e o treino são importantes para manter os níveis, mas a cabeça tem que estar forte todos os dias, não é duas ou três vezes por semana, tem que ser todos os dias".
Durante mais de 30 anos, o grande amor de Marco foi o futebol, mas entretanto adquiriu uma nova paixão que o divide na hora de dar o próximo passo. O objetivo é ajudar outros a não cometer os mesmos erros que cometeu e que atrasaram a vida e a explosão profissional, de uma maneira curiosa.
"Tenho um projeto de investimento imobiliário para jogadores de futebol e estou muito focado nisso. É um setor direcionado para as moradias de luxo e que consiste em formar os jogadores no mercado imobiliários para aprenderem a gerir a parte financeira no presente e para o futuro. Neste momento estou 50/50 entre o futebol e este projeto, mas cada vez mais estou inclinado para a segunda paixão. Mais um ano eu faço, depois ainda não sei", confessa.
O craque nascido na vila piscatória de Sesimbra gostaria de permanecer no futebol mas o que vai vendo, vai atirando-o para fora do meio.
"Vemos tantas coisa no futebol que chega a uma altura em que não queremos continuar a fazer parte disto. Gostava muito de ser treinador de futebol, mas não vou ser. Vês tanta porcaria e tanta coisa feia a passar pelos teus olhos que perdes um bocado a paixão. Vou continuar neste mundo onde acontecem coisas feias todos os dias? Agora é aí que quero estar, mas depois não vou querer saber mais de futebol. Muitos jogadores não têm acompanhamento financeiro nem planos a longo prazo. Muitos de nós cometemos esse erro e é isso que quero prevenir", assume.
A terminar, o avançado conta uma história curiosa que se passou na Escócia. "Quando estive na Escócia tinha acabado de fechar o prazo de transferências e contrataram um jogador no último dia do mercado. Fomos para o jogo e ninguém sabia o nome dele. Ele entrou a meio do encontro e ninguém o conseguia chamar pelo nome, só dizíamos 'hey'. Jogávamos entre nós porque nos conhecíamos e ele andava perdido dentro de campo. Chegou a uma altura em que demos por nós a rir dentro de campo. Foi muito engraçado", conclui.
Marco Paixão conta com uma carreira preenchida, em clubes como Sesimbra, FC Porto B, Gujielo, Logroñés, Cultural Leonesa (Espanha), Hamilton (Escócia), Naft Tehran (Irão), Ethnikos Achnas (Chipre), Slask Wroclaw, Lechia Gdansk (Polónia), Sparta Praga (República Checa), Altay e Sanliurfaspor (Turquia), que pode não ficar por aqui.
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