A expansão do Mundial de clubes catapultará a influência da FIFA na distribuição de receitas no futebol, servindo de contra-ataque ao controverso projeto da Superliga europeia, afirmaram à agência Lusa especialistas em direito desportivo.
“É o assumir de um protagonismo necessário para a estabilidade do futebol a nível mundial. Quem lucraria com a dita Superliga seriam apenas 20 ou 30 clubes, quase todos eles membros cativos. Sucede que existem milhares na pirâmide do futebol e temos de ter noção do que a estrutura associativista a nível mundial aporta em termos de estabilidade e equidade. Este Mundial proporcionará um acréscimo de receitas, fruto de um produto extremamente atrativo, ao qual o público vai seguramente querer assistir”, considerou Gonçalo Almeida, advogado e juiz da Câmara de Agentes do Tribunal de Futebol da FIFA.
Disputado anualmente desde 2005 pelos seis campeões continentais, mais um clube do país anfitrião, o Mundial adotará uma periodicidade quadrienal a partir de 2025 em pleno final de época na Europa e realiza-se de 15 de junho a 13 de julho, nos Estados Unidos.
Os 32 emblemas, de cinco confederações, incluindo Benfica e FC Porto, serão sorteados na quinta-feira por oito grupos, de quatro equipas cada, sendo que os dois primeiros colocados rumam à fase a eliminar, que terá jogos a uma mão a partir dos oitavos de final.
“A esmagadora maioria dos clubes está preocupada com esta receita extraordinária e os mais fortes não ficam indiferentes. Há, pelo menos, duas perspetivas aqui. Primeiro, este Campeonato do Mundo indicia uma clara resposta à Superliga europeia. Aliás, diria que não teremos um Mundial, mas uma Superliga mundial de clubes. Por outro lado, há uma oportunidade extraordinária para marcar uma maior clivagem em termos competitivos”, reconheceu Jerry Silva, advogado e juiz-árbitro do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD).
A FIFA deverá pagar dezenas de milhões de euros em prémios de participação a cada finalista, mas ainda não especificou essa verba nem divulgou acordos de transmissão televisiva, contando com três patrocinadores anunciados, além dos parceiros habituais.
“Ainda que os valores monetários que tenham sido criados como expectativa decresçam, creio que a fome é tão grande que os clubes não irão de forma alguma boicotar. Aliás, à exceção do presidente da Liga espanhola, Javier Tebas, da Federação Internacional de Associações de Futebolistas Profissionais (FIFPro) e dos sindicatos francês e inglês, não ouvi alguma voz de peso a erguer um muro que possa impedir esta organização”, notou.
De acordo com o regulamento, um clube inscrito formalmente que venha a desistir será multado pelo Comité Disciplinar da FIFA em pelo menos 250 mil francos suíços (quase 270 mil euros ao câmbio atual), valor que duplica se a decisão for tomada menos de 30 dias antes do primeiro jogo na prova.
“Olhando para o que é conhecido neste momento, as expectativas da FIFA estarão muito abaixo do planeado, mas não consigo perspetivar que uma entidade daquela dimensão seja capaz de engolir a não realização desta prova, após ter dado o pontapé de saída, aprovado a regulamentação e definido as datas para a realização dos jogos”, julgou Jerry Silva.
Em outubro, a Associação de Ligas Europeias, liderada por Pedro Proença, igualmente presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), e a FIFPro formalizaram uma queixa na Comissão Europeia contra a FIFA, devido à sobrecarga do calendário internacional.
“Do ponto de vista jurisprudencial, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) vai moldando a sua orientação dominante. Pode tomar aqui uma terceira decisão em que declara que determinado tipo de organização da FIFA atenta na violação do direito da concorrência da UE e numa posição de abuso dominante”, avaliou Jerry Silva, evocando os acórdãos daquela instância no diferendo do organismo de Gianni Infantino com o ex-futebolista Lassana Diarra e na posição do tribunal de Madrid face à Superliga europeia.
O juiz-árbitro do TAD acredita que o surgimento de competições alternativas à esfera da FIFA e da UEFA será “uma questão de tempo e dinheiro”, enquanto Gonçalo Almeida encara as expansões do Mundial e da Liga dos Campeões como “autênticas Superligas”.
“Uma possibilidade que está sempre em cima da mesa é a eventualidade de ser intentada uma providência cautelar que requeira a suspensão deste Campeonato do Mundo de clubes. Sou apologista de que seria uma solução radical, que pouco ou nada contribuiria para a resolução do problema, independentemente de compreender a legitimidade e validade de alguns argumentos invocados pelos representantes de clubes e jogadores”, apontou.
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