Dezenas de crianças e jovens de oito bairros portuenses estreiam esta quarta-feira, no Porto, com o grupo internacional ILL-Abilities, um espetáculo de breaking, modalidade que obteve esta semana confirmação para participar no programa dos Jogos Olímpicos em 2024.
Igor Rocha, 11 anos, e a morar no bairro Fonte da Moura, assume que aprendeu com dançarinos do grupo internacional ILL-Abilities que, mesmo com deficiências físicas ou outras dificuldades, é possível conquistar o sonho de ser bom nalguma modalidade, como acontece, por exemplo, com Samuka que nasceu numa favela no Brasil, perdeu uma perna aos 14 anos por causa de um cancro e é considerado um dos melhores dançarinos de breaking do mundo, atualmente.
“Comecei a acreditar mais que os sonhos se podem tornar realidade, porque olhei para eles [ILL-Abilities], e disse, uma modalidade que é preciso pernas, eles conseguem fazer truques que pensávamos que nós não conseguíamos mesmo com pernas”, conta, entusiasmado por ser um dos 35 finalistas a atuar na próxima quarta-feira no Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota.
Às vezes, conta, chegava aos ensaios com raiva, mas mal começava a dançar breaking ficava “logo feliz”, porque naquele momento conseguia exprimir os seus sentimentos.
Usar a arma do breaking para a intervenção social, cultural e desportiva, para a mudança, autodisciplina, fugir à droga, crime ou mau comportamento na escola faz parte da missão do Desporto no Bairro, cujo trabalho começou há três meses com cerca de meio milhar de crianças e jovens entre os 06 e os 19 anos de idade dos bairros de Aldoar, Fonte da Moura, Viso, Ramalde, Cerco, Lagarteiro, Pasteleira e Pinheiro Torres, explicou Max Oliveira, curador do espetáculo e fundador dos Momentum Crew, primeiro grupo de dança urbana em Portugal.
“O grande objetivo foi acima de tudo despertar amor por uma nova modalidade que se chama breaking. Nós acreditamos que o amor é a chave para a mudança, especialmente em pessoas que não o têm e que não o descobrem e que não o sentem continuamente. A ideia foi de forma não imposta e de forma muito, eu diria orgânica, colocar um rádio no chão, aparecer no bairro, desenrolar um linóleo [tapete] e apenas dançar. Com isto, atrair jovens e através desse amor dar-lhes um caminho alternativo para que eles possam, ter um futuro em algo que não conhecem”, acrescenta o curador.
Max Oliveira conta que vários B-boys (breaking boys) vieram a ser dos melhores B-boys do mundo, e que na escola eram “terríveis” e “mal comportados”, viraram completamente de atitude com o ‘breaking’ e “passaram a ser bons alunos na escola, porque aprenderam a ser autodisciplinados”.
Samuel Carvalho, 07 anos, do Lagarteiro, vai ser outra estrelas no Pavilhão Rosa Mota, assumindo que dançar breaking é “um sonho tornado realidade” e o que que mais o enche de orgulhoso é que vai ter toda a família a vê-lo a dançar em palco.
Também Micha Samayuk, com origens russas e ucranianas, de 11 anos e residente no bairro Fonte da Moura, confessa que está adorar conhecer este desporto contemporâneo e que a modalidade o está a ajudar a livrar-se de maus pensamentos.
“É algo que me ajuda a tirar da cabeça o que temos de mal e estou a gostar de aprender manobras novas”, conta, revelando que o seu sonho é ser um dia professor de breaking.
O dançarino Samuka, 23 anos, que perdeu uma perna aos 14 anos, conta estar feliz por ver tantas crianças e jovens em Portugal com potencial para o breaking. “São pequenos, mas todos grandes por dentro”.
“Insistência” foi o conselho que o jovem bailarino deu às crianças e jovens do Porto.
“Falei para sempre insistirem e nunca desistirem. Assim como eu, com a minha deficiência não desisti, falei para eles levantarem a cabeça independentemente da situação que vivem e seguir”, recordou.
“O meu sonho antes do cancro era jogar futebol como qualquer menino no Brasil, mas perdi a perna com o cancro. Enfrentei muito preconceito (...), mas persisti, encontrei o Ill-Ability, que me deu muito mais força para continuar (...) e hoje vivo da dança, graças a Deus”.
Redo, 31 anos, holandês, nasceu com mal formações no braço direito, que é mais curto, e com apenas dois dedos na mão direita e três dedos na mão esquerda e tem uma perna direita mais curta e usa uma prótese. O dançarino do ILL-Abilities considera a participação do breaking nos Jogos Olímpicos em 2024 como algo “realmente muito importante” para as crianças que começam a dançar e vão ter mais possibilidades de se tornarem atletas”.
O espetáculo adapta-se “totalmente a 2020, porque resiliência e superação está-lhe associado”, considera Max Oliveira.
“O que se pretende passar às pessoas é que dada a dificuldade deste ano, e dada a dificuldade da vida, desde o facto de se ter deficiências, de ser de zonas desfavorecidas, não ter dinheiro, não ter família, de etnias que muitas vezes são colocadas de parte (...) é um espetáculo de equidade”.
O espetáculo, gratuito, começa às 20:30 e as portas abrem às 19:30.
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