Em 1917 um grupo de imigrantes portugueses que vivia em Santos, no litoral de São Paulo, reuniu-se numa barbearia para fundar a Portuguesa Santista, equipa de futebol onde décadas depois o atacante Neymar deu os primeiros pontapés.
Mais conhecida por "Briosa", a equipa completa 100 anos na segunda-feira e, apesar de ter perdido o craque da seleção brasileira para o Santos quando ele tinha 12 anos, tem mais para comemorar do que para lamentar na sua história centenária.
"A Portuguesa Santista nasceu do sonho de alguns portugueses que trabalhavam numa pedreira que hoje não existe mais. Em Santos, um grupo de espanhóis havia fundado uma equipa chamada Espanha e os portugueses decidiram que tinham que fazer isto também, mas homenageando Portugal" contou à Lusa Emerson Coelho, presidente do clube.
A "Briosa", que hoje não disputa as divisões principais dos maiores campeonatos organizados no Brasil, destacou-se num torneio internacional em África na década de 1950, tornando-se um exemplo de combate ao racismo no desporto.
"Um os feitos da equipa foi a conquista da Fita Azul [honraria dada pela Confederação Brasileira de Futebol para brasileiros que disputavam torneios internacionais e voltavam invictos]", disse o dirigente.
"A Portuguesa Santista fez uma excursão na África em 1959 e ganhou 15 jogos. Tivemos problemas na África do Sul por termos jogadores negros e não aceitámos que eles não jogassem. Fomos uma das primeiras equipas de futebol a ser contra o racismo", acrescentou.
Sobre a perda de Neymar, que jogou nas categorias infantis da Portuguesa, o dirigente recorda que ainda menino a agora estrela do Paris Saint-Germain já mostrava que seria um craque e, apesar de não ter ficado claro o motivo que o levou a sair - provavelmente um acordo financeiro com o Santos - todos na "Briosa" continuaram seus fãs.
"O Neymar começou na Portuguesa Santista, foi atleta aqui até aos doze anos. Quando estava para se profissionalizar o Santos veio e o levou embora. Ele já era espetacular, já era conhecido como o novo Pelé (...) Só o orgulho de ele ter passado por aqui é algo muito legal", destacou.
Emerson Coelho explicou que além das atividades do centenário a direção da "Briosa" trabalha para viabilizar um projeto de reforma da sua sede social e de seu estádio, o Ulrico Mursa, em parceria com o Grupo Mendes, uma 'holding' brasileira fundada pelo empresário português Arménio Mendes.
O diretor do documentário "A Mais Briosa - Um Amor 100 Divisão", Guilherme Bernardo, lançado para o centenário também conversou com a Lusa sobre a data contando que o filme é fruto de uma iniciativa individual financiada na sua maior parte por ele, que se sente ligado a este clube desde a infância.
"Meus pais são portugueses e eu cresci cultivando todas as tradições. Em 1996 fui pela primeira vez ver um jogo da Portuguesa Santista com um tio-avô que era dirigente do clube. Tinha mais ou menos 10 anos e foi incrível. Depois continuei frequentando os jogos", relatou.
Sobre os feitos da "Briosa", Guilherme Bernardo concorda que a excursão por África é a maior conquista da equipa visto que o incidente fez com que o Governo do Brasil pela primeira vez se manifestasse contra o regime de 'apartheid' da África do Sul.
"Nesta excursão ao continente africano a primeira paragem foi na África do Sul. Pelos relatos que consegui de um ex-jogador, o problema começou no desembarque. Eles iriam jogar contra um selecionado local e ficaram sabendo que os negros não poderiam jogar. A equipa, o técnico e até mesmo um cônsul brasileiro que estava no local decidiram que a Portuguesa Santista não entraria em campo e a partida foi cancelada", explicou.
Guilherme Bernardo disse que os jogadores negros foram até mesmo proibidos de comer e de se hospedar no mesmo hotel que os brancos, o que causou uma imensa revolta.
"A partir disso o Governo brasileiro [na época dirigido pelo Presidente Juscelino Kubitschek] cortou relações diplomáticas com a África do Sul e manifestou-se publicamente contra o regime de segregação racial. Depois a Portuguesa seguiu para Angola, Moçambique e outros países africanos vencendo todas as partidas que disputou. Foi um orgulho para a cidade [de Santos] e teve até carreata [desfile automóvel] no regresso ao Brasil", concluiu.
Em 2017 foi lançado um livro contado a trajetória do clube "100 Anos - Sou mais Briosa", o documentário "A Mais Briosa - Um Amor 100 Divisão", que entrará em cartaz no dia 20, uma exposição além de outras homenagens públicas organizadas para o centenário deste clube fundado por imigrantes e descendes de portugueses que vivem no Brasil.
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